sexta-feira, 24 de julho de 2009

Dona Flor e Seus Dois Maridos

Elenco: Carol Castro, Marcelo Faria, Duda Ribeiro Ana Paula Bouzas, Marcello Gonçalves, Elvira Helena, Carlos André Faria, Carolina Freitas, Nelito Reis, Daniely Stenzel, Lisieux Maia, Luana Xavier, Marco Bravo, Ewe Pamplona, Michelle Martins, Fabio Nascimento.

Texto: Jorge Amado

Adaptação: Pedro Vasconcelos e Marcelo Faria

Direção: Pedro Vasconcelos



É com extrema felicidade que posso contar que, certa vez, conversei com o magnífico ator Paulo Autran e pude entrevista-lo para uma revista que publicava na faculdade. Embora a frase a seguir fosse cortada da edição final da entrevista, era algo sempre pronunciado pelo ator: “Digo sempre que atores são do teatro, cinema é dos diretores e a televisão é a arte do anunciante”.
A frase do mestre Autran voltou a minha memória quando, sentado na primeira fila do Teatro Municipal de Araraquara, vi uma das personagens icônicas da literatura brasileira, Vadinho, caminhar até a beira do palco, sentando-se nas escadarias do mesmo – quebrando, assim, a famosa quarta parede teatral – e declamar seu amor por Dona Flor.
Quando se observa um ator em plena ação no palco é que nota-se seu domínio. A intencidade cênica do ator em contraste com o texto escrito. Pontos vitais que fazem atores, como o público, saudarem a arte única do teatro.
Dona Flor e Seus Dois Maridos, peça homônima da obra de Jorge Amado – o baiano que o cânone brasileiro insiste em deixar de lado – estreou em 15 de fevereiro de 2008, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea. A apresentação do dia 2 de junho de 2009, marcava-se como uma das últimas em que Carol Castro interpretava a personagem principal da história, substituída agora por Fernanda Paes Leme.
Nesse curto espaço de um ano, a peça não só esgotou nas casas por onde passou, fez turnê por cidades do interior e foi elogiada pela crítica. Ganhando, com mérito, 3 prêmios Qualidade Brasil (Melhor Espetáculo, Melhor diretor, Melhor Ator de Comédia – Marcelo Faria) e recebendo duas indicações ao prêmio Shell de Teatro. (Melhor Diretor e Melhor Ator – Marcelo Faria).
A produção merece destaque e aplausos do começo ao fim. Com cenários ricos, remetendo-se ao Pelourinho, não faltam cores e adereços detalhados. As canções são de Caymmi, dando um apetite a mais para a obra. Também a imersão do público durante diversas cenas, em que personagens saem do palco, mantém a peça dinâmica e fazem-na fluir muito bem.
A sintonia do elenco central é perfeita. Carol Castro – que me perdoem, é belíssima ao vivo – se desenvolve bem como Dona Flor, a personagem mais complexa do triangulo amoroso. Mostra-se confortável nas cenas dramáticas e carisma nas cenas apimentadas com Vadinho. Como tudo muda com a entrada de outra atriz, fica minha curiosidade em saber se Fernanda Paes Leme manterá a qualidade de Castro.
Duda Ribeiro, que surge apenas no meio do espetáculo, é excepcional em cena, como o marido repleto de escrúpulos e educação de Dona Flor. Tem um timing cômico muito eficiente e contrapõe-se a altura a desenvoltura desejada pela personagem de Vadinho que, de longe, é o grande destaque.
Até mesmo na obra original é significativo a intensidade e o carisma da personagem malandra de Vadinho. Despir-se literalmente para encarar um personagem e, ainda assim, manter-se bem no papel, não deve ser tarefa fácil. Marcelo Faria está incrível como o assanhado primeiro marido de Flor. Debochado e satírico na medida certa, é um dos grandes papéis do ator, provando sua maturidade – afinal, muitos lembram-se do ator apenas como o Ralado da novela Quatro Por Quatro da Rede Globo.
Embora sem a leitura do livro, após a peça procurei-o na estante e constatei que a peça é bem fiel. Muitas vezes mantendo-se original até mesmo nos diálogos arretados de Jorge Amado.
Sua obra, inclusive, precisa ser revisitada. O relançamento pela Cia Das Letras, em belas edições, é uma excelente pedida. Ainda hoje Amado, por possuir obras que oscilam entre o riso e a sacanagem, não é tido como um grande escritor como um todo.
Evidente que é pura bobagem e preconceito de um grupo de críticos que não enxergam na comédia apimentada do baiano uma história profunda e irônica sobre os homens. Basta aprofundar os olhos sobre a peça.
A figura de Vadinho, retrato fiel do povo brasileiro malandro que encontra sua maneira de realizar as maiores façanhas, até mesmo desafiar a morte por um par de pernas. E o que dizer da duplicidade de Flor com seus dois maridos? Há o que refletir em uma personagem que se contenta com o duplo, ainda que Flor busque em Vadinho apenas seu fogo. Estaríamos, também, descontentes a procura de algo a mais? O nobre e o sátiro, água e fogo, a malandragem e a polidez. A espera de nossos Vadinhos e de nossas Flores.



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