quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Renato Godá, Canções Para Embalar Marujos


Artista: Renato Godá
Álbum: Canções Para Embalar Marujos
Gravadora: MCK
Ano: 2010

01. Primeiro Round
02. Nasci Para Chorar
03. Eu Sei
04. Como O Mar
05. Ideal
06. Black Jorge
07. Cigarros E Cafes
08. Quem Dera
09. Cançao De Um Velho Marujo
10. Chanson D´amour
11. Obsceno Amor
12. C`est La Vie
13. A Cem Por Hora


Poucas são as incursões que faço na televisão aberta. Incomoda-me os chuviscos do sinal, intervalos intermináveis, fazendo-me preferir filmes, séries e conteúdos via internet. Mas foi através de uma apresentação musical no programa do Jô que conheci a música de Renato Godá.

Seu nome sem complicações esteve em minha memória por mais de dois anos. Até que, meses atrás, adquiri seu EP, Renato Godá, lançando em 2009. Recordei imediatamente que Kamikaze fora a canção que ouvi, não só pela peculariedade de sua melodia, até então diferente de boa parte da música que ouvi, mas pela interessante letra que contrapunha sagrado e profano do amor em um ritmo antigo, homenageando velhas canções de cabaré que a deixa irresistivelmente sedutora.

Lançado em março desse ano, Canções Para Embalar Marujos é uma seqüência natural do EP, porta de entrada para o universo musical de Godá. Sua sonoridade distinta expande-se além do som, estando viva na própria persona do cantor: um músico que mantém roupas elegantes, chapéu, cabelo desgrenhado, bebidas e cigarros, representando vivamente a personagem criada em suas letras.

A fonte bebida pelo autor vem dos lugares mais periféricos da sociedade. Retoma os cabarés antigos, onde homens sem eira nem beira entregam com afinco à suas bebidas por não estarem nos braços das mulheres que amam. Errantes que vão, de bar em bar, porto em porto, procurando algo que os conforte, por uma vida, ou uma noite. Bêbados de amor não correspondido.

Primeiro Round, cujo título remete-se as lutas de boxe, recriando inevitavelmente a idéia visual de lutas clandestinas realizadas em botecos, dá a forma do amor diabólico e vulgar que permeia o álbum. “Encarei temporais / Ondas gigantescas de terror no mar / Enfrentei marginais / Que tentaram a sorte nos becos do caís”. (Primeiro Round)

Como um aventureiro que ainda que navegado pelos setes mares, conhecedor de moléstias e violência, espera, com desejo, o amor que verdadeiramente o arrebate. “Hoje vivo em suas mãos / Sou refém dos seus sinais / O seu jogo sedutor / Me levou a lona no primeiro round”. (Primeiro Round).

O idílio de tal desejo é a vida que prossegue errante. Nasci para Chorar, versão do tremendão Erasmo Carlos para canção de Dion Dimucci é deliciosamente intepretada pelo músico e banda. Ambas canções parecem completar a mesma idéia, a vida como um mar de miséria triste e dissonante.

As personagens de suas composições trafegam por esse mundo obscuro, pelas vielas repletas de amor contido, pelo choro dos bêbados por falta de amor. Um boêmio que sofre entre o amor e seus objetos pontiagudos procurando, de porto em porto, bar em bar, dama a dama, quem desperte o sentimento arrebatador. “Porém posso esquecer as horas / Abusar da memória / Pra ficar com você”. (Eu Sei)

Em nenhum momento, Godá deixa de ressaltar sua alma vadia. Estilo que salta nas músicas, fazendo nos imaginar que enquanto canta empunha um cigarro e traga uma bebida barata. A faceta do amante sedutor é ressaltada em Ideal e Quem Dera, histórias sobre amantes que, mesmo sendo amaldiçoados pela vida, trazendo consigo a chama que, de fato, acende amantes.

Dentre as que fogem de tal universo, deixando pequenos cacos fora da coesão total do álbum, está Black Jorge. Voltada para um tipo de malandragem mais contemporânea, que não tem o mesmo brilho das lágrimas ébrias dos amantes.

A explosão mais lírica, sem a crueza da vida, se faz em Chanson d´Amour, com participão de Renata Carlotti que, em dueto, alternando entre português e francês, ressaltam belas imagens contaminadas pelo amor.

Porém, sem dúvida, é o flerte com o diabólico e a decadência elegante, embalada por uma melodia rica e harmoniosa, que fazem do álbum, e de Godá, um músico de destaque.

A Cem Por Hora, que encerra as Canções é progressão direta da primeira faixa, uma verdadeira declaração de amor, que ajoelha e faz da amada uma deusa, pedindo redenção em seus braços e desejando ser o que ela quer que seja. A voz grave de Godá, acompanhada do bom refrão - "E na cidade a cem por hora / Com meu chapéu e meu Ray-Ban / Flutuar sobre o asfalto / Sem direção" (A Cem Por Hora) - finaliza de maneira precisa o álbum, como iniciou-se.

O universo musical de Godá é imenso. Povoado pelos marujos perdidos, traídos pela vida. Resultando em um bom álbum quase uníssono, que versa de maneira tão bela os sentimentos e suas contradições.

Não bastando tais fatos, o álbum - produzido por Plínio Profeta, ganhador do Grammy por Falange Canibal, do Lenine - ainda é disponível para download de maneira inteiramente gratuita. Convite impossível de não ser aceito para que você também seja mais um marujo dessas águas incríveis e turvas.






Na próxima semana: Lulu Santos, Acustivo Mtv 2 e o dvd Steve Wonder - Live At Least. Terapia Musical, todas as quintas-feiras.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Semana em FIlmes (03 a 09 de Outubro)



Toy Story (Toy Story)

Dir. John Lasseter


Como todos os movimentos cinematográficos que carregam o selo do estúdio Pixar, Toy Story tornou-se um marco por ser a primeira produção realizada inteiramente em animação computadorizada.
Ainda que o filme dispute o cargo com o brasileiro Cassiopéia, passados quinze anos de lançamento, uma tornou-se franquia de qualidade e sucesso, outra, se muito, tem exibição rara em canal aberto.
Até o lançamento de Toy Story, a Pixar era uma produtora promissora, apenas. A composição da animação era rica, mas não apresentava o requinte elevado das últimas produções da casa, capazes de elaborar linhas narrativas que agradam tanto adultos quanto crianças.
Dentre as três produções, é o filme mais brando. Porém, com construção sólida de suas personagens e conflitos, concentrados na chegada de um novo boneco no quarto do menino Andy: Buzz Lightyear, um agente espacial que tira o favoritismo do cowboy Woody, que se torna enciumado em não ser mais o querido.
Ainda sem uma trama sem muitas camadas como seus dois filmes posteriores, a produção apresenta muito bem a amizade da dupla, repleto de diferenças e contrapontos, mas unidas pelo amor de um garoto. Não bastasse isso, desde já, também, há frases icônicas, como a famosa isso não é voar, e sim cair com estilo.
De animação pioneira, suas seqüência não perderam a qualidade com a evolução tecnológica digital.
A produção foi relançada no inicio do ano no duvidoso sistema em terceira dimensão, como um aperitivo para a estréia de Toy Story 3.




Malditas Aranhas! (Eight Legged Freaks)

Dir. Ellory Elkayem


Em décadas passadas, animais assustadores foram, de fato, sucesso. Espécies ferores, escorpiões gigantes, aranhas modificadas que, filmadas em stop motion, eram capazes de causar medo e terror em produções preto e branco.
Com a exploração de outras vertentes do meto, o estilo foi para segundo plano, tornando-se produções B do gênero de Terror. Pela ambientação exagerada, filmes do estilo começaram a ser produzidos mais pelo riso involuntário do que pelos sustos.
Malditas Aranhas! homenageia de maneira estilo esse estilo de produção. Faz uso de um bom orçamento para, propositadamente, aparentar um estilo tosco, calcando-se em uma trama evidente mas muito divertida.
Desenvolvida em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, um acidente com lixo tóxico faz com que as aranhas de um criadouro local mute-se, transformando-se em seres gigantes.
Trabalhando com um roteiro óbvio, que não esconde sua intenção, com aranhas desaparecendo com amigáveis animais de estimação, encurralando mocinhas salvas por heróis desaparecidos, a produção explora ao extremo o inusitado da situação para produzir o riso.
Ao contrário de outra produção estrelada por David Arquette, a Trilogia Pânico, cujo terceiro ato faz uso dessa comédia de terror, Malditas Aranhas! concentra-se em tipificar as personagens sem medo, dando-lhe a sensação nítida do bem e do mal e da natural união de cidadãos contra uma causa maior.
O resultado do pastiche é uma interessante homenagem aos monstrengos assustadores dos filmes B de décadas passadas e quase duas horas de pura diversão com miolos, ou seja o que for, de aranhas gigantes estourando na tela.





Revelação (What Lies Beneath)

Dir. Robert Zemeckis


Enquanto filmava Náufrago, um dos últimos grandes filmes de Robert Zemeckis e Tom Hanks, foi necessário que a produção pausasse suas gravações por um determinado tempo enquanto Hanks, na trama isolado em uma ilha, emagrecia para a segunda parte da história.
Com uma equipe de produção formada e bem integrada, surge a interessante idéia de se produzir outro filme enquanto o cronograma de gravações estava pausado.
Reunindo dois grandes astros de Hollywood, na época em que tal status contava mesmo quando atores realizavam produções rasteiras, Revelação apresenta-se como um bom thriller de suspense que não só insere interpretações precisas – elemento um tanto quanto difícil no gênero, já que poucos atores consagrados arriscam estrelar tais produções – e uma boa direção de Zemeckis, que ainda não tinha se entregado para as produções em animação que tentam imitar a textura e composição de um filme tradicional.
Sem procurar inovações, exceto uma boa narrativa de suspense sobrenatural, a trama tem Harrison Ford e Michele Pfeiffer como um casal que, aparentemente, possui uma boa vida. Mas tal harmonia é cessada por algo que intenta avisar a esposa sobre um passado ainda não conhecido do marido.
Valendo-se da histeria provocada pelo desconhecido e uma direção que complementa a trama, a história cresce em bom ritmo até sua, trocadilho inevitável, revelação derradeira.
Ainda que a duração ultrapasse as duas horas, dando a sensação de um prolongamento que poderia ser melhor cadenciado, a somatória do elenco, direção e roteiro resulta em uma produção significativa.


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Amy Winehouse, Back to Black



Artista: Amy Winehouse
Álbum: Back to Black
Gravadora: Universal Records
Ano: 2006

01.Rehab
02.You Know I'm No Good
03.Me & Mr Jones
04.Just Friends
05.Back to Black
06.Love Is a Losing Game
07.Tears Dry on Their Own
08.Wake Up Alone
09.Some Unholy War
10.He Can Only Hold Her

"You go back to her, and I go back to Black"
Você volta pra ela e eu volto para o luto.

Essa frase, refrão da música que dá título ao álbum, define perfeitamente o espírito que perpassa toda a obra-prima de Amy Winehouse.

Muito se falou nos últimos anos sobre a cantora, sobre seu destempero, seu vício em drogas e sua tendência à auto-destruição. Claro que ela realmente se super-expôs, mas é de certa maneira triste que sua música - a melhor produzida nessa segunda metade da década - tenha ficado de lado em favor de manchetes sensacionalistas.

O disco abre com o mega-hit Rehab, que versa de maneira irônica sobre os tão famosos Rehabs a que as celebridades se submetem sempre que tem porblemas com drogas, e que nos últimos tempos parece ser mais jogo de mídia do que de fato reabilitação. É de fato uma grande canção, com um poderoso vocal de Amy, que diz: 'They tried to make me go to rehab but I said no, no, no'. (eles tentaram me mandar para o Rehab, mas eu disse não, não não), tratando um tema polêmico com ironia e desdém.

Segue a que talvez seja a gravação mais genial da década, a ácida e dolorida You Know I'm No Good, que começa com uma base de bateria e uma linha de baixo, para depois entrar a voz brilhante de Amy, cantando uma letra simplesmente genial, que culmina no refrão destruidor, que mais parece um diálogo entre a abandonada (2 primeiros versos) e o traidor (2 últimos versos):

'I cheated myself
Like I knew I would
I told you I was trouble
You know that I'm no good'

'Eu me traí
como eu sabia que faria
Eu te falei que eu era problema
Você sabe que eu não presto.'

Essa canção também foi um grande sucesso, consolidando o sucesso do disco como um todo (ainda teria mais alguns singles tirados dele).

Me & Mr. Jones começa como um soul mais tradicional, com direito a backing vocals estilo década de 60. O título é o mesmo do clássico de Kenny Gamble e Leon Huff gravado por Billy Paul em 1972, e o tema também é o amor, mas o humor ácido de Amy está presente aqui também, o que causa uma bem vinda estranheza.

Just Friends segue o mesmo caminho de soul clássico, com arranjo de metais, mas com uma batida puxada para o reggae. O interessante dessa letra é uma frase que inverte todo o sentido de letras de dor de cotovelo: 'I'll never love you like her ' (Eu nunca irei amar você como ela). Colocando o eu da canção como o que abandona e não como o abandonado.

A música seguinte é a já citada Back to Black. O instrumental é sombrio como o título sugere e a letra segue pelo mesmo caminho: ' life is like a pipe, And I'm a tiny penny rolling up the walls inside' (A vida é como um cano, e eu sou uma pequena moeda rolando pelas paredes de dentro). É interessante notar como o disco fica cada vez mais melancólico, atingindo o ápice aqui.

Love is a Losing Game continua a introspecção, mas com uma levada mais romântica e uma letra feita com versos curtos mas eficientes. O clima dark é quebrado com Tears Dry On Their Own, ao menos no instrumental, bem mais alegre. A letra continua pessimista, mas vemos aqui uma certa aceitação do abandono, como o refrão mostra bem:

'He walks away
The sun goes down,
He takes the day but I'm grown
And in your way
In this blue shade
My tears dry on their own.'

Ele vai embora
O sol se põe,
ele leva o dia embora, mas eu sou crescida
E do seu jeito
Com uma sombra azul
Minhas lágrimas secam sozinhas.

Dá pra perceber uma mulher sentida pelo abandono, mas disposta a dar a volta por cima. É como um alento em um mar de desesperança, já que a partir daí o disco volta a ser sombrio e desesperançoso. Em Wake Up Alone volta o instrumental lento e sombrio, assim como a letra dolorida. A esperança de se levantar ainda permanece, como podemos ver em:

'I stay up clean the house
At least I'm not drinking
Run around just so I don't have to think about thinking'

Me levanto, limpo a casa
pelo menos não estou bebendo
ando por aí, para não ter que pensar em pensar

No entanto na própria canção, alguns versos adiante, essa esperança desmorona:

'That silent sense of content
That everyone gets
Just disappears soon as the sun sets (...)
Moon spilling in
And I wake up alone'

Aquele silencioso senso de contentamento
que todo mundo tem
simplesmente desaparece assim que o sol se põe (...)
A lua se vai
e eu acordo sozinha

Simplesmente brilhante em sua desconstrução da esperança e construção da imagem de uma mulher completamente derrotada.

Some Unholy War destoa um pouco do tema do abandono que permeia o álbum todo, traçando uma fala de uma mulher questionando o que faria se seu homem fosse lutar em uma 'guerra não santa'. Ela diz que iria sempre atrás dele, sempre o acompanharia. Essa mudança de enfoque sequiria na música final.

O disco fecha com He Can Only Hold Her que tem um arranjo bem mais alegre que o restante do disco. Sua letra fala de uma mulher que não pode se doar à seu homem, pois já teve o coração roubado. Entendo essas duas canções como duas faces da mesma moeda, em uma a mulher que abandonaria tudo, em outra a mulher que não está realmente 'na relação'. Curioso ver como o disco progride até isso, começando com uma canção praticamente auto-biográfica (Rehab), onde o eu teme ser internado e perder seu amor (I'm gonna lose my baby, so I aways keep a bottle near / Eu vou perder meu bem, então eu mantenho sempre uma garrafa por perto), por isso se auto-destrói. Auto-destruição essa que perpassa toda a letra de You Know I'm No Good. A partir daí o disco entra em uma espiral de auto-comiseração, passando por lapsos de felicidade (Tears Dry On Their Own), para depois cair completamente no buraco que o próprio título traça.

Esse tipo de elaboração temática - tão pouco comum na música de hoje em dia - é uma das coisas que torna esse álbum um dos mais perfeitos já gravados.

Cabe dizer que Amy compôs as músicas desse disco quando estava separada de seu marido Blake Fielder-Civil, o que - obviamente - reflete por toda obra, o que faz esse disco figurar ao lado de obras primas emocionais, gravadas por conta de fins de relacionamento, como Here, My Dear de Marvin Gaye. Também é um dos mais poderosos álbuns gravados por uma mulher, coloco-o ao lado de Lady in Satin de Billie Holiday e I Never Loved a Man the Way I Love You de Aretha Franklyn.

É sempre difícil escrever sobre obras de que gostamos muito, e é o caso aqui, mas espero ter conseguido salientar a incrível qualidade desse que considero, sem nenhum medo, o melhor disco da década.

PS: a versão inglesa do álbum contem mais uma música, Addicted, que foi suprimida no lançamento americano e consequentemente no brasileiro, que é o que eu estou resenhando. No entanto devo dizer que é a faixa mais fraca do álbum, ainda que tenha qualidades.







Na próxima semana: Lulu Santos, Acustivo Mtv 2 e o dvd Steve Wonder - Live At Least

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ray Charles, Live at the Olympia (DVD)




Artista
: Ray Charles
DVD: Live At The Olympia
Distribuidora: Som Livre
Ano: 2010

01 - Blues for Big Scotia
02 - The Way You Look Tonight
03 - Route 66
04 - A Song for You
05 - Hallelujah I Love Her So
06 - Georgia on My Mind
07 - Stranger in My Own Home Town
08 - Angelina
09 - I Got a Woman
10 - Hey Girl
11 - Almost Like Bein´ in Love Again
12 - Just for a Thrill
13 - It Had to Be You
14 - What´d I Say




A primeira viagem à Europa de Ray Charles havia sido em 1960, quando realizou um show no lendário Olympia, em Paris. Em 2000, 40 anos depois, no ano em que completaria 70 anos, o Genius voltou à Europa e resolveu coroar a turnê com uma segunda apresentação no Olympia, que seria inclusive gravada em DVD, o primeiro ao vivo do músico. Mas nada é tão simples assim na vida de Ray Charles.

Na noite anterior ao show o Genius se apresentou em Lisboa, e foi pego de surpresa por uma greve da companhia aérea que fazia o trajeto Lisboa-Paris. Os músicos que acompanhavam Ray eram ao todo 32, contando as Raellets, e o empresário do músico conseguiu (em outra empresa) apenas 7 passagens para a França. Embarcaram somente Ray Charles, a base da banda - ou seja baixo, guitarra e bateria - , 2 homens para arrumar o palco e os instrumentos e o empresário de Ray, e foi com essa formação, desfalcada das backing vocals e da Big Band que Ray Charles fez a apresentação resgistrada nesse DVD.

Esse show é uma grande prova de que dificuldades inesperadas podem ser imensamente benéficas à arte. Um show tradicional renderia sem dúvida uma grande gravação, mas perderíamos a imagem de um homem, já em seu ocaso, pleno de suas habilidades e superando obstáculos para entregar uma performance simplesmente brilhante.

Logo que soube que precisaria fazer o show apenas com a banda base, Ray resolveu mudar o setlist para que as músicas se adequassem melhor à formação diminuída e privilegiasse não só os ótimos músicos que o acompanhavam, mas que também desse todo o foco à sua figura.

O show abre com Blues For Big Scottia e logo nessa entrada, juntamente com as subsequentes The Way You Look Tonight e a clássica de Bobby Troup, Route 66, podemos constatar que - sabiamente - o Genius deslocou o foco das músicas, do seu tradicional soul, para uma pegada mais jazzistica, aproveitando assim o que de melhor a sua banda e seu próprio virtuosismo como instrumentista poderiam oferecer. É simplesmente genial. Em especial a instrumental The Way You Look Tonight é soberba, mostrando com detalhes o timming perfeito da banda, que com certeza se sentia mais solta sem todos os metais que 'engrandeciam' o som. Talvez uma das poucas vezes em que Ray Charles gravava sem a Big Band desde que migrou pra Columbia lá na década de 60.

O show segue com A Song For You, agora sim mais próximo do soul, em uma belíssima versão toda focada no vocal e no teclado. Na sequência Ray engata dois grandes sucessos, Hallelujah, I Love Her So, que funciona muito bem e fica bem próxima da gravação original e o hino Georgia On My Mind, com pegada bem distinta da gravação clássica. Ray conta com efeitos do teclado para compensar a falta da Big Band, que é parte integrante da canção. O resultado é uma versão bem mais sofrida desse melancólico standard.

O tom melancólico abusando dos efeitos de teclado segue em Stranger In My On Home Town e Angelina, essa última dando também um belo espaço à guitarra. O sucesso I've Got a Woman começa nesse mesmo teor, mas logo se transforma no soul arrebatador de sempre, produzindo um dos pontos altos do show. A música seguinte, Hey, Girl, da Carole King é curiosa, já que a banda nunca a havia tocado antes. Isso mesmo, Ray Charles colocou uma música inédita em um setlist de um show já cheio de problemas!

Mas incrível mesmo seria a parte final da apresentação. Fora as ótimas versões de Almost Like Being In Love Again, Just For a Thrill e It Had To Be You, o brilho está mesmo no número de encerramento, a revolucionária What'd I Say, que é uma canção inteiramente baseada na interação entre Ray e suas Raellets. Nenhum dos músicos conseguiu entender quando o Genius a escalou no set list, mas ele apostou que a música era tão conhecida que o próprio público poderia fazer o papel das Raellets respondendo ao astro no palco. É até desnecessário dizer o quão brilhante é essa idéia, assim como é desnecessário dizer que deu absolutamente certo, resultando no climax perfeito para um show histórico por diversos motivos, entre eles - o principal deles - a altíssima qualidade musical apresentada.

PS: Devo dizer que Ray Charles me deu toda uma nova impressão sobre como um teclado pode ser um instrumento brilhante, e é realmente interessante vê-lo longe do tradicional piano e usando a diferença dos instrumentos como diferencial para o som.

PS2: O DVD contém uma entrevista com o empresário de Ray, onde ele conta exatamente os acontecimentos que levaram ao show. Seria um ótimo extra, se não fosse o fato de não ter legendas. Sério, realmente não dava para legendar um trecho de 14 minutos?







quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Supernatural, Primeira Temporada

ATENÇÃO: PARA MELHOR ANÁLISE DA TEMPORADA, ALGUMAS PARTES DO ENREDO SERÃO CONTADAS DURANTE O TEXTO (OS CONHECIDOS SPOILERS). PORTANTO PARA SUA SEGURANÇA, SE NÃO QUISER SABER NADA A RESPEITO, PARE DE LER O TEXTO AGORA. MAS RETORNE APÓS TER ASSISTIDO A TEMPORADA, POR FAVOR.

O sobrenatural duvidoso

Nos lançamentos anuais de novas séries que buscam conquistar o público, há um espaço cativo para um formato que sempre se mantém em produção sem, exatamente, apresentar um bom nível de qualidade.

Normalmente, situam-se nessa categoria séries que intentam agradar amplamente o público, apresentando situações não muito profundas, mas que deflagram atenção. O enfoque muita vezes juvenil, complementa a amplitude de sua intenção.

A série que reconta a origem de Super Homem, Smallville, traz em sua formula uma produção juvenil, que aproxima-se de elementos novelescos repleto de dramas não profundos. A formula de um super herói em aprendizado vivendo como um humano quase normal, resultou em uma série de grande sucesso, com dez temporada cujo fim está programado para o próximo ano.

Produzida pelo diretor McG, que assina também Chuck, Supernatural apresenta um enredo calcado no sobrenatural sem, necessariamente, valer-se de elementos de terror para conduzir sua história.

Apresenta dois irmãos como investigadores, que voltam a se encontrar para seguir a trilha do pai desaparecido. A obsessão pelo inexplicável encontra-se na infância da família, quando a mãe dos garotos foi assassinada por um demônio, em um incêndio sobrenatural. Desde então, a família Winchester tornou-se um trio não usual que caça e extermina tudo aquilo fora do comum.

Ao contrário de outras séries que valeram-se do sobrenatural como tema, seu desenvolvimento não é profundo. Histórias são apresentadas no início de cada episódio e os irmãos, de maneira burocrática, vão até o local realizar uma investigação.

Como não são profissionais licenciados para realizar tais investigações, valem-se da boa malandragem para conseguir dinheiro para sobreviver. Tal fato entra em conflito com a dinâmica da série em diversos momentos. É evidente que a dupla trabalha com pouco orçamento, o que torna injustificável o fato de, a cada caso, ambos aparecer disfarçados como figuras que mais se adéquam a investigação. Sejam policiais, padres, bombeiros ou simples jornalistas.

A base utilizada pelos irmãos para as investigações é um grosso diário utilizado pelo pai. Que parece conter bem mais informações do que aparenta. Já que a cada episódio, a cada demônio ou espírito que cruza seu caminho, há uma referencia direta nas anotações do pai.

Transformando argumentos que, por tocarem o desconhecido, poderiam ser interessantes em histórias risíveis, sem desenvoltura. Narradas de maneira burocrática e inseridas em uma fórmula juvenil que funciona pouco.

Quando a série começa a perder seu padrão burocrático de narrativa – caso sobrenatural apresentado, irmãos descobrindo o acontecido em um jornal e viajando para investigar – as tramas melhoram. Apresentando no segmento final bons episódios como Fé, sobre um ceifador de Almas e A Família Bender que subjulga o conceito do sobrenatural.

O elemento mais incômodo durante a primeira temporada é a constatação óbvia de que, em seu final, a série se fortalece e apresenta um excelente desenlace.

O retorno do chefe da família, John Winchester, mesmo que temporariamente, traz ritmo a série. Há mais carisma no pai do que em suas crias. Sua figura cativante fundamenta a seqüência de episódios dando mais ação, drama e suspense.

A trama escolhida para fechar a primeira temporada é um grande acerto. A vingança da família contra o suposto demônio que matou a mãe é inserida no momento certo. Não ocorre de maneira abrupta e da completude a outros episódios.

Mesmo com um bom gancho para o próximo ano, é necessário muito desenvolvimento narrativo para que a série conquiste, de fato, um bom andamento. Em seu primeiro ano, há mais falhas do que acertos.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Semana em Filmes (26 de Setembro a 2 de Outubro)

Turistas (Turistas)

Dir. John Stockwell


Quando uma das maiores produções animadas americana, Os Simpsons, dedicou um de seus episódios a uma sátira ao Brasil, houve maciça cobertura da imprensa antes mesmo da exibição de tal episódio, tanto por lá quanto em terras brasileiras.
Protestos surgiram de diversas partes, até mesmo de entidades turísticas alegando que tal desenho produzia um efeito difamatório contra nossa mãe gentil. É provável que a maioria dos contestadores não tenha, de fato, assistido tal episódio, muito menos ter breve conhecimento da história da série, cujo enfoque cômico e exagero é um de seus parâmetros.
A produção de Turistas, realizada completamente no Brasil, gerou furor parecido. Ondas de protestos por filmarem um longa de terror, explorando um assassino sádico, em nossas terras. Porém, na verdade crua que estampa notícias de jornais, é fato que tal verdade, ainda que maquiada pela ficção, não esteja tão longe assim de nossa realidade.
A prova de tal afirmação pode ser confirmada com a inserção do Google Street View no Brasil, projeto de mapear as ruas da cidade e que, em menos de três semanas de registro, foi capaz de fotografar dois corpos em duas cidades diferentes.
O espaço para a crítica a violência do país funciona como apontamento para exemplificar que não há nada tão aberrante na produção, muito menos digna de protestos.
Quem vive em cidades litorâneas ou históricas, sabem que muitos estrangeiros vem ao país visitar suas belezas naturais e, eventualmente, caem em armadilhas. O próprio diretor da produção sofreu problema semelhante ao filmar Mergulho Radical, onde foi assaltado por um grupo de garotos no Peru.
A ação desenvolvesse no interior de nosso país, quando um grupo de estrangeiros escapam de um acidente de ônibus. Como a espera por outro ônibus seria longa, os colegas decidem passar seus dias em uma praia próxima, que admiram pela bela paisagem e mulheres bonitas. Depois de uma noitada, todos acordam na praia sem nada além da roupa do corpo. Procurando ajuda, encontram um rapaz local que lhe oferecem uma casa próxima para se hospedarem até a volta do ônibus. Mas, evidente, que tal casa é uma armadilha de um sádico torturador que não tem afeto por estrangeiros.
A exploração midiatica em torno da produção se fez com alto exagero. Não há cenas de extrema violência como muitos jornais noticiaram e muito menos a idéia de que o país é uma corja de assassinos. A trama apresenta um personagem isolado que intenta ferir os turistas mesclando com a realidade comum de nossas cidades, repleta de assaltos.
O desenvolvimento da trama é feito de maneira lenta. Não se entrega rapidamente ao jogo fácil da violência física, optando por trabalhar a tensão. Porém, em sua parte final, não há desenvoltura. Resultando em uma estranha fuga por um rio coberto por pedras, dando a impressão de que, ao mesmo tempo, procurou-se realizar a climática do filme e mostrar as belezas do país, composição que não funcionou.
Por ser, de fato, gravado em terras brasileiras, não há a língua mal falada enrolada com espanhol. E a trilha, que intenta dar mais ênfase ao significado do Brasil apresenta canções de A Procura da Batida Perfeita de Marcelo D2, funks e uma surpreendente Adriana Calcanhotto em Sou Eu Assim Sem Você, que dá a tal cena uma certa ironia, talvez não imaginada.