quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Capital Inicial, Das Kapital




Artista: Capital Inicial
Álbum: Das Kapital
Gravadora: Sony Music
Ano: 2010


01. Ressurreição
02. Depois da Meia Noite
03. Como se Sente
04. Eu Quero Ser Como Você
05. A Menina que Não Tem Nada
06. Não Sei Porquê
07. Melhor
08. Vamos Comemorar
09. Eu Sei Quem Eu Sou
10. Marte em Capricórnio
11. Vivendo e Aprendendo



Décimo segundo álbum de estúdio, quinto após sucesso propiciado pelo Acústico Mtv, a longínqua banda Capital Inicial intenta trilhar um caminho diferenciado daquele iniciado com disco homônimo em 1986.

Desde o retorno da banda, primeiro com sua formação original, depois com Yves Passarel assumindo as guitarras que o grupo é capaz de reunir, ainda, fãs das antigas e galgas novos, principalmente com seus hits de formato pop, sempre presente nas rádios.

Apesar de todo sucesso expoente que a banda possui, seus álbuns de estúdio são oscilantes. Rosas e Vinho Tinto, primeiro pós banquinho e violão é o mais coeso do retorno. Possui sonoridade densa, participação de Kiko Zambianchi – parceiro também de acústico – e letras que cultivavam o tradicional apelo pop sem perder a linha dos bons versos.

Gravado apenas com o quarteto, sem banda de apoio, Gigante, manteria a sonoridade calcada no rock´n roll com pitadas de balada sem nenhum brilho. A procura de letras simples de mais, canções tornaram-se vazias.

Eu Nunca Disse Adeus apontava mudanças leves na sonoridade da banda e afirmações de um amadurecimento. Dinho Ouro Preto utiliza seus graves para dar voz à algumas canções em um álbum que inicia bem mas logo perde o fôlego.

A somatória de canções antigas e novas, peneiradas nos lançamentos de estúdio resultam em um registro óbvio mas excelente. Gravado em Brasília Multishow Ao Vivo: Capital Inicial em Brasília, é a banda em seu melhor, tanto na performance energética como pela seleção das melhores composições.

Das Kapital marca o retorno da banda aos estúdios. O título refere-se ao livro mais famoso do filósofo político Karl Marx, e resvala no próprio nome da banda. A provocação comunista já havia sido tema dos cenários do show ao vivo, em que diversos cartazes representando a Rússia comunista simbolizavam a banda.

Na íntegra, o álbum foi posto no site da banda antes de ser lançado, tendo apenas duas faixas trocadas na edição em cd. Faixa que, ironicamente, parece refletir mais do que apenas uma canção.

A produção deste álbum aconteceu antes e depois do acidente de Dinho Ouro Preto em Outubro do ano passado. De modo que a canção que abre o álbum, Ressureição, parece trazer uma simbologia própria. Composta em contradições entre sim e não, destacada pelo verso: Uma vida gloriosa um minuto irrelevante. Profético verso se não escrito pós seu quase fatídico acidente.

Por conta desse fato, banda trabalhou melodias enquanto o cantor se recuperava. E melhor de saúde pôde por voz as canções.

Dentro os álbuns do retorno, é um dos que mais concentra-se em boas canções. De acordo com comentários da própria banda, a produção das novas canções bebeu em diversas fontes, partindo desde bandas clássicas as mais contemporâneas.

A maioria das letras são compostas pelos parceiros Dinho Ouro Preto e Alvin L., parceiro também de Marina Lima. O resultado é um álbum curto, de apenas trinta e cinco minutos, voltados mais ao rock / pop do que para as baladas, cuja boa parte das canções são bem trabalhadas.

A versão lançada inicialmente pela Sony Music é um belo digipack, com um encarte que contem as letras cifradas das canções. Bom elemento escolhido pela banda foi, além das fotos do grupo, fotografar os dois músicos de apoio, responsáveis, muitas vezes, por diversas canções e que, em muitas bandas, são tratados de maneira excusa.

A produção do álbum ficou a cargo de David Corgos, em vez do habitual Marcelo Suskind que trabalhou com a banda desde seu retorno.

O saldo da nova produção é positivo e poderia ser o primeiro marco de um amadurecimento da banda que, mesmo sendo quarentões, seguem a postura eterna de roqueiros que, ainda, vivem sua juventude anacrônica.

Atente-se para as faixas Depois da Meia Noite (primeiro hit radiofônico), a dançante Melhor, com um teclado setentista, e a ritmada – com palmas – Vivendo e Aprendendo que fecha o álbum e mantém o espírito juvenil.




Na próxima semana: Ray Charles - Live At The Olympia


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

C.S.I - Crime Scene Investigation, Quarta Temporada

A investigação foresense continua na cidade mais caótica de Nevada

Uma das melhores séries a explorar o universo investigativo e forense, C.S.I – Crime Scene Investigation retoma, em sua quarta temporada, o mesmo estilo que a consagrou e prossegue a história interrompida no final da temporada anterior.

Tendo assistido as três primeiras temporadas em uma seqüência frenética, tive a impressão de uma queda de qualidade na terceira temporada. Mesmo utilizando os elementos tradicionais, a série não causava a mesma impressão de seus dois primeiros – e irretocáveis – anos.

A quarta temporada inova abrindo-se com um episódio duplo e finalizando a – boa – história da surdez de Gil Grissom, um dos destaques da temporada passada. Sem dúvida, sua personagem pode, sem dúvida, ser eleita como um dos melhores líderes de séries televisivas. Não só é um técnico astuto e hábil no que faz, como ao esconder a maioria do passado de sua vida, cria um personagem mais denso.

Decorrendo a temporada, a sensação de um terceiro ano frouxo vai sendo dissipando. O ritmo reaparece. Casos apresentados são bem compostos e bem resolvidos com suas eventuais reviravoltas.

Além dos bons casos, a série sustenta-se por seu hall de bons personagens, aqui em conflito por causa de uma futura promoção no trabalho. Nick Stokes e Sara Sidle, enquanto desempenham seus papéis nas investigações, demonstram sua vontade em ser o preferido do chefe, almejando a promoção. Sabendo que um eventual erro pode ser capaz de estragar tudo.

Mesmo que as personagens apresentem patentes diferentes dentro do universo da série, é evidente ao público a capacidade distinta de cada um. Tanto que, no decorrer da trama, Grissom demonstra que Nick é um melhor C.S.I. que Sara, justamente por ser capaz de trabalhar fora do âmbito comum. Efeito que, para a perita, resultará em um aprofundamento de sua personalidade. Sua frustração apoiada no alcoolismo, movimento que finaliza essa temporada.

Quem ganha destaque nessa temporada é Greg Sanders, o perito de laboratório que sonha ir à campo. Seu desejo é tamanho que, das poucas vezes que é chamado como apoio, trabalha de maneira exaustiva e com esforço. Tanto que pede a Grissom oficialmente para ser escalado a ir a campo e ganha o aval do chefe, contanto que ele seja capaz de treinar, antes, um substituto no laboratório.

Como já composto na temporada passada, a abertura da série foi repaginada, ganhando, não só novas imagens, como uma roupagem mais atual, dando o requinte necessário a fabulosa música da banda The Who que abre a série.

Como costumeira reclamação, fica registrado a divisão péssima da Playarte, que faz de uma série de vinte e poucos episódios um lançamento de três box com oito episódios cada. Aumentando o gasto do consumidor. Uma pena.



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Semana Em Filmes (19 a 25 de Setembro)

Bem-Vindo a Selva (Welcome To The Jungle)

Dir. Peter Berg


Primeiro filme pós sua estréia nos cinemas, com o papel de Escorpião Rei, tanto em O Retorno da Múmia como no derivado de mesmo nome, Dwayne Johnson, ou simplesmente The Rock dá mais um passo para tentar ser um astro de ação.
Seu porte físico, oriundo das lutas, e um leque expressivo diminuto são boas características para conquistar um posto que não possui um ídolo definitivo desde o fim da década de 90.
Em Bem Vindo a Selva, The Rock é Beck, um coletor de dívidas que, sempre de maneira gentil, expõe aos seus clientes duas opções. O plano A, em que tudo ocorre sem problema e o plano B, onde a força física e bruta é imposta para realizar a missão.
A trama não traça contornos muito profundos, não explicando a razão na qual Beck precisa realizar uma última missão para ter seu restaurante de volta – aparentemente o coletor é um chefe de cozinha. Assim, ele parte para a Amazônia para resgatar Travis, filho de seu chefe, que está nas terras brasileiras procurando um artefato perdido.
A produção do filme tentou filmar em nossas terras, porém, após um assalto, optaram por locações no Havaí. Mesmo com o deslocamento da ação, há certa fidelidade nos cenários, ressaltados por propagandas de cerveja brasileira e traídos pelo sotaque mal feito das personagens que, nitidamente, não conhecem nossa língua. A confusão geográfica resulta em elementos cômicos sobre o país e nossa selva, como a presença indefectível de macacos e uma cena de luta ao som do samba.
Se o enredo da produção é bastante simples, um resgate na selva amazônica por um cobrador e, como pano de fundo, um vilão que escraviza a população por causa de suas riquezas naturais, as cenas de ação são bem engendradas. Utilizando-se de boa coreografia e de uma câmera lenta sem excesso para dar a perfeita idéia de que a personagem de The Rock é excepcionalmente boa no que faz, ainda que não goste de se envolver em brigas.
A contraparte cômica da trama, Sean William Scott, infelizmente não alivia muito a trama, nem lembrando os bons momentos que o ator proporcionou na trilogia American Pie.




O Fada do Dente (Tooth Fairy)

Dir. Michael Lembeck


É provável que em uma lista de exigências para se tornar um astro de ação em Hollywood haja a obrigação de estrelar filmes pipoca de comédia. Com enfoque principal para produções infantis em que o porte físico dos brucutus se tornem uma objeto de riso devido aos seus papéis nada ortodoxos aos costumeiros. Dos astros atuais que buscam essa patente, Vin Diesel estrelou Operação Babá, filme cujo título revela o enfoque humorado e The Rock, além de Treinando o Papai já se encontra em seu segundo papel família.
Em O Fada do Dente, Derek Thompson é um jogador de hockey das antigas cujo único sucesso que ainda permanece é suas faltas brutais que, invariavelmente, machucam seus adversários, fazendo com que eles percam um dente. Assim surge seu apelido, dado pelos fãs, de Fada dos Dentes. Em um dia, ao colocar a filha da namorada para dormir, quase conta a menina que a história de colocar o dente embaixo do travesseiro a espera da fada é uma mentira. Como punição, o jogador é intimado pela fadas e é obrigado a se redimir, se tornando uma Fada do Dente por algumas semanas.
Mesmo que a trama da produção seja construída para ser um filme família, com agrado maior para as crianças, de maneira surpreendente, o filme é bastante fluído. Como é de se esperar, The Rock transforma-se em uma fada esdrúxula e deslocada, o que provoca bons momentos de riso. A história moralizante sempre comum em histórias do tipo não é tão exagerada como de costume, resultando em um filme que, honestamente, me agradou mais do que as duas produções de ação com o ator que vi anteriormente.
Vale destacar a presença de Ashley Judd como namorada do jogador e a eterna noviça rebelde Julie Andrews como a fada madrinha, chefe do departamento das fadas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Johnny Cash, American VI: Ain't No Grave

Artista: Johnny Cash
Álbum: American VI: Ain't No Grave
Gravadora: American Recording Company
Ano: 2010

Faixas:

01. Ain't No Grave
02. Redemption Day
03. For The Good Times
04. I Corinthians 15:55
05. Can't Help But Wonder Where I'm Bound
06. Satisfied Mind
07. I Don't Hurt Anymore
08. Cool Water
09. Last Night I Had The Strangest Dream
10. Aloha Oe




Era o começo da década de 90 e Johnny Cash estava esquecido pela mídia e pelo grande público. Apenas mais um grande artista antigo, que muitos até consideravam morto. Não é preciso dizer que ele deu a volta por cima. E esta volta começou com sua união a Rick Rubin, então produtor dos discos do Red Hot Chilli Peppers, que se animou em ter a chance de produzir para o velho ícone. Acontece que Rubin propôs algo diferente do habitual a Cash. Propôs que ele misturasse canções próprias com covers de artistas contemporâneos, tanto do country, quanto do rock, dando sua visão pessoal a essas músicas.

Essa idéia, escutada hoje, não parece original, e pior, não parece boa, já que a quantidade de artistas velhos que regravam músicas contemporâneas e simplesmente nos causam vergonha alheia é imensa. Porém uma série de fatores salvou a série American do caminho da breguice.

O primeiro deles é o próprio Rick Rubin, que estava acostumado a lidar com artistas modernos e trabalhar referências, o segundo é a que a escolha das músicas jamais é gratuita e sempre privilegia temas caros ao artista, finalmente o terceiro e mais importante deles é que a visão pessoal de Cash é tão poderosa – e por vezes sombria – que frequentemente obscurece a versão original das músicas, estabelecendo para elas novas versões definitivas.

O 1º American Recordings foi lançado em 1994 e abraçado pela crítica de maneira unânime, mas muito curiosamente foi deixado de lado pelas rádios country que argumentaram que o disco não era country... Essa ‘perseguição’ prosseguiu inclusive no álbum seguinte da série, Unchained, outro sucesso de público e crítica, o que ocasionou a já célebre página de agradecimento de Cash na revista Billboard.


A maneira 'singela' de Cash agradecer
ao apoio da cena Country

Os lançamentos seguintes seguiram o mesmo padrão de covers e inéditas, mas sempre com muita qualidade. American IV: The Man Comes Arounds foi o último álbum em vida de Cash e uma de suas maiores obras primas, tendo ficado célebre principalmente pelo cover de Hurt do Nine Inch Nails, que resultou em uma das melhores gravações dessa década.

Após sua morte, em 2003, 2 álbuns da série já foram lançados de maneira póstuma, aproveitando as gravações deixadas pelo músico. American V: A Hundred Highways e esse American VI que analisarei aqui.

Em seu último disco em vida, Cash encerra com uma música que é extremamente significativa, We’ll meet again (Nos encontraremos de novo), que diz em seu refrão:

‘We'll meet again, don't know where, don't know when,
But I know we'll meet again, some sunny day.’

‘Nos encontraremos de novo, não sei onde, não sei quando
Mas eu sei que nos encontraremos de novo em algum dia ensolarado.’

Ele morreu pouco depois do lançamento do disco e essa música soa como um belíssimo epitáfio, desfiando sentimentos de esperança por um lugar melhor após a morte e por um reencontro com a felicidade. Neste American VI presenciamos um pouco desse ‘reencontro’.

O disco abre com uma poderosa versão de Ain’t No Grave, música folclórica americana. A simbologia trazida pelos versos iniciais que podemos associar com o reencontro prometido no final de American IV:

‘There ain't no grave can hold my body down
There ain't no grave can hold my body down
When I hear that trumpet sound I'm gonna rise right out of the ground
Ain't no grave can hold my body down’

‘Não existe cova que possa conter meu corpo
Não existe cova que possa conter meu corpo
quando eu ouvir a trombeta soar vou me erguer do chão
Nenhuma cova pode conter meu corpo’

É interessante perceber como esse tema religioso e profético, sempre remetendo ao juízo final, se tornou caro à Cash no final da vida. A música título do American IV: The Man Comes Around, já tratava disso, e de maneira até mais explícita, criando uma pequena história do apocalipse. Já nessa faixa a ‘ascensão’ me parece muito mais pessoal. Os sons de gongos e de metal remexido, que remeta à uma pá, aliados à voz gutural de Cash dão mais profundidade ainda a esse tema popular americano.

O disco segue com uma versão da música Remption Day de Sheryl Crow, a versão original dessa música já era muito boa e Cash a deixou mais lenta e novamente investiu em uma interpretação sombria, o que deu maior visibilidade à bela letra da canção. Interessante ver as versões de Cash para músicas que já são originalmente country, diferentemente da maioria das versões da série American, que vem de outros estilos. É incrível como ele consegue emprestar sua personalidade inclusive a essas canções, mesmo sem mudá-las profundamente como costuma fazer com as de rock, por exemplo.

Novamente em For the good times ele revisita um tema já country em sua origem. A canção composta pelo sensacional Kris Kristoffersen (companheiro de Cash no The Highwaymen) trata de um amor que acabou, mas sem qualquer espécie de ressentimento e com o eu da canção se colocando a disposição da antiga amada para recebê-la de volta sempre que ela precisar. Cash interpreta a canção da maneira mais singela possível para o seu tom grave de voz, criando uma bela versão, na minha opinião superior a de Kristoffersen na abordagem da emoção. É interessante também notar que Cash sempre escolhia para seus repertórios musicas com belas letras, profundas e emocionantes, sendo na verdade coerente com o que ele sempre compôs.

A 4ª canção do disco é especial, por ser a única composta por Cash em todo o repertório e também pela significância da letra. I Corinthians 15:55 remete obviamente ao trecho específico da Bíblia (que também serve de refrão à música):

‘O death, where is thy sting?
O grave, where is thy victory?’ (o trecho é retirado da Bíblia do Rei James, que o apresenta nessa ordem, diferente das outras versões, onde o trecho aparece ao contrário)

‘Ó morte, onde está teu aguilhão (literalmente picada, no sentido de ferir)
Ó morte, onde está a tua vitória’

Cash traça aqui, novamente, uma profissão de fé, sempre tangendo o caminho da esperança. O trecho que mais me impressiona é o seguinte:

‘Oh let me sail on
With my ship to the East
And keep my eye on the North Star
When the journey is no good for man or for beast
I'll be safe wherever you are’

‘Deixe-me navegar
Com meu barco para o Leste
E manter meus olhos na estrela do Norte
Quando a jornada não é boa nem para o homem, nem para a besta
Eu estarei a salvo onde você estiver’

É realmente muito bonita a maneira como Cash canta sua fé, de maneira pessoal e íntima, diferente do que ocorre em quase toda a totalidade da música dita Gospel. Ele se apega à sua esperança de vencer a morte – mesmo tema da 1ª canção – e canta isso com todo sentimento. A melodia dessa música lembra uma canção popular, como as que ele já adaptou, e talvez seja, se levarmos em consideração o tema bíblico. Essa música, provavelmente por ser a última composta por Cash, ganhou um tratamento todo especial no encarte, que serve todo para mostrar a seqüência da composição, trazendo fac-símiles dos rascunhos da canção, na letra de Cash.

O disco prossegue com Can't Help But Wonder Where I'm Bound do cantor folk Tom Paxton. Essa canção já recebeu diversas versões, incluindo uma de Simon & Garfunkel, e Cash entrega aqui a versão mais próxima a original de todo o disco. Continuamos a ouvir uma pegada folk (um pouco mais ‘suave’ que o country normal de Cash) que está presente na versão original de Paxton, mudando apenas a voz, já que Cash canta bem melhor.

Satisfied Mind de J.H. ‘Red’ Hayes e Jack Rhodes é outra com centenas de versões, destaco a dos Birds, a de Joan Baez e a de Bob Dylan todas com pegada folk, um pouco diferente do que Cash faz. É claro que continua folk, mas ele revisita antigos temas da carreira, já que sempre compôs músicas que contam histórias, como os clássicos Cocaine Blues, Folson Prison Blues e Sunday Morning Coming Down, assim como músicas que passam mensagens de vida e fazem reflexões. Essa canção propicia a Cash a oportunidade de unir as duas coisas, o que dá à música mais gravidade, fazendo-nos acreditar realmente no que ela diz. Vale destacar que Cash gravou essa versão para a trilha sonora de Kill Bill Volume 2, que foi onde ela foi primeiramente executada.

A música seguinte, I Don’t Hurt Anymore, de Don Robertson e Jack Rollins já tinha uma grande versão, a de Red Foley, mas Cash seguiu por um caminho um pouco diferente, o que me pareceu realmente inteligente. A música tem um cinismo natural que extrapola da letra, e que Cash abraça em certos momentos, diferentemente da versão standard de Foley. De qualquer maneira prefiro a versão de Foley para esta.

Cool Water, de Bob Nolan, 8ª música do álbum é mais um clássico americano (apesar de Nolan ser canadense) imensamente regravado, o que mostra a tendência desse álbum para esse tipo de cover, diferindo bastante do usual na serie American. A versão mais famosa dessa música é a de Vaughn Monroe & The Sons of The Pioneers, verdadeiro clássico western. A versão do álbum usa apenas um violão, diferente dos Sons of the Pioneers, que trazem toda uma gama de instrumentos, inclusive metais na parte final da canção. Novamente Cash transforma a música em algo intimista, sendo que na versão clássica ela é mais uma balada western, que chega mesmo a remeter a antigos filmes de bangue-bangue.

Last Night I Had a Strangest Dream de Ed McCurdy é outro classic folk, com temática pacifista e antibelicista, foi regravada por Simon & Garfunkel, mas a versão original do próprio Ed McCurdy permanece insuperável. Cash arranjou a música de maneira com que a temática de ‘sonho’ ficasse presente, usando uma gaita sutil para criar o efeito, o que causa uma certa desilusão que contrasta com a letra otimista de McCurdy, o que dá o toque pessoal de Cash a esta maravilhosa versão.

Para fechar o disco a escolha mais ‘estranha’ do repertório, Aloha Oe canção tradicional havaiana, composta pela Rainha Lili’uokalani, a última monarca do extinto reino do Hawaii. A gravação mais célebre é – claro – a de Elvis Presley para a trilha do seu filme Blue Hawaii. Cash, que era amigo de Elvis, faz uma versão bem bonita da canção, usando de maneira interessante as cordas para darem um som de ukulele e manter o clima havaiano. Realmente um belo encerramento para um grande disco, investindo numa temática alegre que não está tão presente no restante do disco, coisa que - novamente - me remete ao American IV, que também é sombrio e termina com uma música alegre.

A série American Recording é toda cheia de grandes gravações e criatividade, e nos proporcionou o ressurgimento de um artista brilhante que havia sido esquecido antes de dar todas as suas contribuições para a música. E esse American VI só prova que a qualidade atemporal da música de Cash não acabou nem com sua morte. Em um período tão estéril da música, onde poucos acordes dissonantes fazem ‘salvadores do rock’, é um alento imenso ver a qualidade se erguer da cova.








quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nip Tuck, Terceira Temporada

ATENÇÃO: PARA MELHOR ANÁLISE DA TEMPORADA, ALGUMAS PARTES DO ENREDO SERÃO CONTADAS DURANTE O TEXTO (OS CONHECIDOS SPOILERS). PORTANTO PARA SUA SEGURANÇA, SE NÃO QUISER SABER NADA A RESPEITO, PARE DE LER O TEXTO AGORA. MAS RETORNE APÓS TER ASSISTIDO A TEMPORADA, POR FAVOR.

A beleza começa a perder sua sedução


Depois de boa evolução de primeira para segunda temporada, explicitando melhor a narrativa e estilo da série, Nip / Tuck decide-se por um caminho difícil e turvo para prosseguir sua narrativa.

Mesmo que, implicitamente, o público tivesse consciência de que nada grave aconteceria com uma das personagens centrais da trama, o desfecho do segundo ano era finalizado em alto impacto.

Os crimes do Retalhador, inseridos de maneira precisa na temporada anterior, perde seu brilho pela diluição narrativa. Desdobram demais uma trama que exige um desfecho rápido.

Se uma das marcas principais da série é seu estilo agressivo, seu terceiro ano vem com redobro. Mas sem apoio eficiente de um roteiro elaborado, perde-se a dose fatal de cinismo e ironia subentendida na trama, deixando-a frouxa.

Embates entre personagens surgem ao excesso. Muitos em curto tempo narrativo. Provocando cansaço na fluidez da série e causando esquecimento no público, perante tantas mudanças.

Mesmo com tais desdobramentos, as personagens centrais da série ainda definem-se como ponto alto da temporada. Sean McNamara, restabelecido de sua crise interna, agora luta contra o exterior, observando sua incompetência ao lidar com outros. Enquanto Christian Troy torna-se mais dúbio. Mantém a personalidade áspera mas apresenta belos momentos íntimos de humanidade e amor.

Intentando manter corrente o ambiente da série, tramas paralelas se apresentam sem esforço de se tornarem boa extensão do universo dos cirurgiões. Gina Russo, ex-amante de Troy, volta a cena para, junto de Julia McNamara fundarem um SPA de repouro. Matt McNamara perde a consistência conquistada e transforma-se em um clichê rebelde, com adendo de namorar uma garota com tendências nazo-fascistas.

A trama intenta explorar nesse enredos histórias chocantes, mas falham em larga escala por não causar comoção, nem espanto. Nem mesmo a história central dessa temporada, o desfecho do Retalhador, é forte.

Se sua integração à série causou bons conflitos iniciais, a diluição de sua trama em toda outra temporada, foi longa demais. E transformou-se em erro crucial quando, na necessidade de revelar-se um assassino, não há um leque de suspeitos.

Considerando que apenas uma personagem é inserida na série, cabe ao público imaginar o desfecho mais óbvio. O assassino revelado ser um personagem já conhecido ou tal personagem nova que, desde o ínicio, apresenta uma personalidade impossível de se ter empatia, se encaixe no papel.

Além de seu desfecho óbvio, a série lança critérios investigativos que não convencem por sua aleatoriedade. Em dado momento quase todas as personagens já foram presas por, supostamente, ser o assassino. Porém, apenas com pistas nada conclusivas e circunstanciais. Parecendo um desespero dos roteiristas por não terem elaborado, com destreza, o desfecho de uma boa trama.

Dessa maneira, ainda tentando repetir o requinte obsceno que marca a série, a terceira temporada de Nip / Tuck é desorientada, sem rumo e finaliza-se com desfecho óbvio. Algo infeliz para uma série diferenciada como, até agora, pareceu.




quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Moska, Muito Pouco


Artista: Paulinho Moska
Álbum: Muito / Pouco (Vendido em formato duplo ou separado)
Gravadora: Biscoito Fino
Ano: 2010

Muito:
1. Devagar, Divagar ou de Vagar?
2. Muito Pouco
3. Deve Ser o Amor
4. Canção Prisão
5. Soneto do Teu Corpo
6. Ainda
7. Pêndulo
8. Quantas Vidas Você Tem?
9. Antes de Começar

Pouco:
1. Semicoisas
2. O Tom do Amor
3. Sinto Encanto
4. Nuvem
5. Waiting For the Sun To Shine
6. Provavelmente Você
7. Oh My Love, My Love
8. Não
9. Saudade


A carreira musical de Paulinho Moska, ou simplesmente Moska, é marcada por transformações que parecem calcar-se na evolução pessoal do artista. Apresentando um músico atento ao seu tempo e, principalmente, capaz de fazer de seu sentimento força motriz para suas canções.

Em 2001, no álbum Eu Falso da Minha Vida o Que Eu Quiser, apresentou um coeso e triste panorama sobre o vazio do final do amor. Renasceu em 2003, com Tudo Novo de Novo, álbum que retomava sua lírica extremamente rica em poética e explorava tanto sentimentos (Pensando Em Você) como visava reflexões – e reflexos – maiores (O Jardim do Silêncio).

Antes de apresentar um novo álbum, gravou em 2007 um prologamento de seu álbum anterior, + Novo de Novo, show ao vivo que, pela segunda vez na carreira, registrava sua evolução. Os sete anos do último álbum de estúdio eclodiram em um projeto duplo, chamado Muito Pouco.

O conceito de duplos ou múltiplos não é elemento novo em Moska. Desde Tudo Novo de Novo que músico mistura sua imagem desfigurada em reflexos com as canções, fabulando um conceito que se expande além do som. Toca o visual e o cênico.

Muito Pouco retoma o conceito plástico de seu trabalho. As capas, apresentadas em branco e preto, direcionam sua intenção. Em Muito, álbum gravado com a banda e com faceta mais pop, o músico parece gigante que cospe um vasto mar, afirmando uma intenção maior. Em Pouco, álbum intimista de voz e violão, o mar ganha destaque em relação a um homem que parece, evidentemente, menor em proporção.

A criação espontânea dessa multiplicidade, o público e o íntimo, fundamenta a coesão de ambos os álbuns formados por nove faixas cada.

Não há como não verificar certos paralelismos presentes em Muito com seu álbum anterior. Se na primeira faixa de Tudo Novo de Novo, de mesmo título do álbum, falava-se em um recomeço, Devagar, Divagar ou de Vagar? versa sobre o as mudanças estabelecidas, o resultado do ponto final criado no álbum anterior.

Tem-se a impressão que o compositor novamente está em casa, deixando prevalecer nas composições um sentimento simples sobre o amor, sobre a chama que surge dentro dele, sem deixar de lado as canções que adentram questões mais existenciais de nós.

Muito Pouco, já gravada em uma composição visceral de Maria Rita no álbum Segundo, ganha mais ritmo. Um outro tom que não perde as inversões de sentido criadas na letra. Ainda, que retrata em um delicioso ritmo a possibilidade de um amor possível parece evolução natural de uma canção esperançosa mais incerta como Reflexões e Reflexões.

A habilidade de Moska em versar sobre o amor sem repeti-lo é impar. Projetando no final do álbum a sensação de que ouvimos diversas histórias. Talvez do mesmo amor, porém situadas em diferentes patamares, no passado, presente, futuro.

A canção que fecha Muito, que considerarei o primeiro movimento de um álbum duplo, é Antes de Começar, um prelúdio das canções mais intimistas, relatando sobre um dia que termina antes mesmo de começar, ao lado da solidão. Como um anuncio prévio de que, no próximo álbum, estaremos rumo a uma camada mais densa da alma. Seja ela de quem possa lhe ouvir ou, arriscando, do próprio compositor.

Semicoisas, canção que abre Pouco, segundo movimento do álbum duplo, demonstra a intenção íntima de sua feitura. Traz apenas voz e violão. O resultado é uma suavidade única que retoma os elementos do amor e seus elementos sensíveis e tácitos mas agora utiliza-se, também, da própria canção como leveza.

Evidente, também, a inversão poética do título. Um álbum que diz muito sobre o amor, um sentimento sempre interpretado como abstrato, é intitulado como Pouco, quando, na verdade, por sua sensibilidade, é sempre gigantesco.

Moska utiliza-se muito bem, assim como no álbum com a banda, sua voz. Aqui mais contida, aproveitando-se dos sons e silêncios do violão.

As canções situam-se entre a sonoridade da música popular brasileira (Sinto Encanto), com melodias que acompanham a voz do cantor (Nuvem) e canções com tom jazzístico (Não e Provavelmente Você, com destaque para o baixo acústico de Pedro Aznar).

Tanto Muito como Pouco dialogam entre si, resultando em um incrível álbum duplo que marca, não só o retorno do compositor após sete anos, como demonstra sua evolução.

Pouco tem a participação de Chico Cesar, Kevin Johasen, Maria Gadú, Pedro Aznar e três canções em parceria com Zélia Duncan. Já em Muito todas as canções são de Moska, exceto Soneto de Seu Corpo composta com Leoni.

Ambos os álbuns são vendidos separadamente, mas juntos vêem em uma caixa especial que contem um encarte extra, com uma foto e com um texto a respeito.









Na próxima quinta-feira, a resenha de American VI, último álbum póstumo de Johnny Cash. Marcando a estréia de Arthur Malaspina, o segundo resenhista da coluna musical.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Battlestar Galáctica, Primeira Temporada



O mundo acabou. A luta apenas começou.

A ficção científica é um dos poucos universos que possui um estilo próprio. Sua lógica trabalha de maneira dupla. Não se preocupa, apenas, em apresentar o universo peculiar do gênero: tecnologia desconhecida, um futuro devastado sem explicação recheados de efeitos especiais.

Mas também potencializa dramas e conflitos intrínsecos da natureza humana. Usando a ambientação diferenciada a seu favor, usufruindo de sua estética contra um enredo vazio, mais comum aos filmes de ação.

Por seu construto único, formado de um ambiente permeado de isolamento, intensificando relações interpessoais, que aproximo, sem engano, a ficção científica do western. Ambos são regidos por parâmetros próprios que, fora de seu foco, não funcionam de maneira eficaz. Um homem do oeste americano, lutando por sua vida em uma batalha psicológica com outro homem engendra a mesma dinâmica da raça humana que criou andróides agora incontroláveis.

Produzida entre 2003 a 2009, Battlestar Galáctica é uma recriação da série homônima do final dos anos setenta. Sem dúvida, é a série contemporânea que utiliza-se melhor dos elementos únicos do gênero e, mesmo em sua primeira temporada, é possível vislumbrar a magnitude total de seu enredo.

Boa parte da exuberância narrativa vista na tela sustenta-se pois, ao contrário de produções cinematográficas, ou mesmo outras séries, Battlestar não se preocupa em utilizar seu tempo de maneira demorada.

O episódio piloto da série, uma mini série apresentada em capítulos originalmente, possui três horas de duração. Tempo suficiente para que a base da história principal se desenvolva e o público compreenda a motivação inicial das personagens.

A composição delas é mais um dos grandes méritos da série. Nenhum personagem surge na trama por acaso, como um escape frouxo. Personalidade e caráter são bem lapidados, sendo impossível não ter preferência por alguns dos tripulantes das naves.

Além das personagens, o universo da série se torna rico por ser próximo daquele que conhecemos, mas não ser a mesma Terra em que habitamos. Desenvolvendo uma excelente ligação com o mundo real, mas mostrando um universo ainda inexplorado.

A base da história – sem revelar uma linha a mais do necessário – apresenta humanos que, como nós, desenvolveram-se ao lado da tecnologia. Produzindo andróides capazes de realizar tarefas mas que evoluíram ao ponto de ter raciocínio. Acontecendo um embate inevitável que, mesmo após uma trégua, parece voltar a tona.

A série foi lançada na íntegra no Brasil. Tanto dividida por temporadas como em uma caixa especial que, além da série, traz um pobre libreto, e nada mais.

A primeira temporada demonstra bastante estilo e bom nível de excelência. Fazenda supor, com razão, todos os méritos que a série possui, crítica e público afora.