quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Coletivo Literário

Dizem que dois é melhor do que apenas um humano solitário. Mas se três já é demais, quatro talvez extrapole os números cabalísticos, ou seja uma boa unidade. Se antes eu já me aventurei em blog coletivo formado por duas contrapartes, dessa vez adicionei mais um elemento nesse caldo único de disparidades, diferenças e estilos alternados. Foi assim que nasceu o blog coletivo Quatro Patacas.

Inserido em um conceito próprio de uma grandiosa ironia, onde tudo não confirma se é real ou simulado, nossa intenção é produzir semanalmente textos inéditos, a procura de leitores que percam seu precioso tempo colhendo nossas linhas.

A cada dois dias um dos escritores apresenta um texto novo. Assim cada pataca tem como "prazo" sete dias para compor sua ficção, ensaio, panfletagem ou receita de bolo. Todos textos inéditos, criados exclusivamente para o projeto.

Nessa idéia temos a razão do exercício, colocar em prática argumentos, fragmentos de histórias, a procura de um novo texto. E quando isso falha, ou ainda quando a vida causa pane geral na composição, pedimos uma apelação ao juiz e usamos um texto antigo, ou ainda uma necessária pausa.

Todos os autores trabalham com várias idéias, possíveis histórias a serem contadas. Porém muitas vezes chega o dia de lançar um novo texto sem nenhuma idéia germinada. O que lembra Calvino, que disse que não há literatura sem a pressão dos prazos.

Não que possa duvidar do grande Calvino, mas sou um autor que trabalha lentamente. Há um poema de Drummond, que minha memória não se recorda, cujos versos dizem que o poeta precisa conviver com seus poemas antes de fazê-los. Essa idéia casa-se com a minha, já que guardo ansioso o crescimento de certas histórias. Aguardando que elas saiam de seu risco inicial, para desenvolverem meio e fim. Serem plausíveis de narração e possíveis para minha pequena aptidão em escrever. Sob pressão, ainda tenho dificuldades.

Sempre fui mais poeta inspiração do que artesão. Rabisco contos e não os finalizo pela preguiça de sentar em frente ao desafio e enfrentá-lo. Há certos contos que precisam de confronto com seu autor, e ele só consegue a vitória quando, ao menos, não está descontente com o produto final.

Meu lado artesão é preguiçoso, talhou muito pouco nesse anos. Sempre conta uma história, as vezes sem se preocupar em fechar suas pontas, e corre de novo para a rede para outra soneca.

Estou no aprendizado de conviver com os textos ainda não feitos, evitando a preguiça para talha-los quando necessário (e sempre é necessário) e também evitando atrasos, pois textos também quando muito maduros, passam do prazo de validade e vão se estragando, pouco a pouco, nas idéias do autor.

Daqui um ano posso prever que dentro do Quatro Patacas alguns textos terão o mesmo frescor de quando escritos, e outros parecerão mal formados, quasímodos, esperando um retoque ou o lixo. Mesmo que hoje nos dediquemos ao máximo para produzi-los, talhando-os, reescrevendo-os, brigando covardemente com a língua da poesia, na procura pelas melhores palavras.

Semanalmente fazemos um exercício de nossa arte, construíndo a base de nossa literatura. Ainda que alguns já possuam muitas ficções, ou poesias, ou ainda especificamente, uma série literária despretenciosamente engraçada sobre o elogío da picaretagem.

Escrever com a promessa de criar sempre um novo repertório não me faz voltar a velha forma (forma na qual não quero mais, aliás), mas sim adquirir uma nova maneira de composição. Ou, no termo metafórico mais simples possível, avançar um degrau na dificil compreensão de o que é fazer literatura, em um país onde não há letrados, onde "O Segredo" é o livro mais vendido, e procurar leitores em um mundo virtual é tão dificil (se não mais) quanto arranjar um bom emprego.

Araraquara, quarta-feira, 29 de Agosto de 2007.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Tristeza Senhora

"só faz milagres quem crê que faz milagres
como transformar lágrima em canção"
(Zeca Baleiro, in "Blues do Elevador")

Se fosse a tristeza um problema gástrico, eu tomaria remédios, ou no caso de uma indigestão, em uma técnica mais agressiva, induziria o que comi a sair. Mas a tristeza é abstração inanimada, verme que corrói. Está em mim como cicatriz corrosiva, sem que eu saiba o porquê.

Acabo de reler um texto de minha autoria, texto romântico que não deixo de apreciar. Mesmo que sua narrativa seja irrisória, as metáforas e a imagem do mar são tão belas que até mesmo eu, seu ator, se engana ao lê-lo.

Dei-lhe como nome "Além-Mar" para fugir da alusão que comumente faço do mar. Em minha literatura, transformei o mar em um amor que tive. Alusões são notórias em certos autores, que possuem fixação por certas cenas ou temáticas.

Esse texto foge dessa temática marítima, embora a maior parte de sua narração se passe em um náufrago. Seus personagens são outros daqueles que sempre retrato, e mesmo hoje, um ano e meio depois, o texto me cativa.

Infelizmente tenho a mania ruim de, as vezes, basear minha vida para minha produção. Com o tempo o que me sobra são apenas belos textos, já que o resto sempre é levado pelo vento, ao pó.

O que despertou-me motivo para a análise, foi a relação de mim, minha obra e a senhora tristeza. A presença constante de personagens sutilmente abaladas, entristecidas, muitas vezes em constraste com o próprio infeliz autor.

A tristeza enquanto não me invade completamente é perfeita para inspirar. Um leve comichão apertando ao coração me inspira boas histórias, e a tristeza momentânea conduz de forma adequada uma ficção. Muitas vezes acabo por entristecer pelo meus personagens, vivendo sua fulgás história de tal forma que, quando finalizo a narrativa, estou cabisbaixo e depressivo. Não sou um grande autor para, esbaldando euforia, descrever e contar a história de um homem que perdera um grande amigo, ou um velho amor.

Porém, quando a tristeza avança caminhos mais longos, tornando-se apenas corrosiva, a inspiração não mais surge. Só punge uma dor, a dor real, minha, não de meus personagens. É sinal que não é minha literatura que caminha triste e sim seu próprio autor. E nesse caso não produzo nada. Não vivo. Crio uma subvida para prosseguir com os afazeres sem arricar suicídios ou drogas que cessassem minhas sensações.

Nessas horas tenho tendências de iniciar textos, em uma tentativa vã de produzir minha dor real no papel, mas não chego a terminá-los. Suas palavras saltam da tela como uma mentira, como se eu maquiasse minha tristeza nesse papel, sendo que, na realidade, quero apenas me ver livre do que me machuca. A tristeza do autor vira cansaço físico, não inspiração poética. Assim rabisco o texto, crio outro em primeira pessoa, uma personagem como eu, mas logo concluo que nada disso é salvação. A dor continua constante mesmo após finalizar uma ou dez narrativas.

Então, esqueço as palavras e assumo que estou triste. Que sou triste. Que ao jogar minhas melodias fora, estou a procura de uma nova identidade, a procura de novos sabores e novos acordes que ainda não ouvi. Sofro dessa ansiedade, querer tudo ao mesmo tempo. E olha que já ouvi reclamações por minha habilidade de ser múltiplo. Mas danem-se, não me contento em ser apenas um.

Porém, ser vários é cansativo. São deveras paixões ao mesmo tempo, muitos amores, a dor é multiplicada em vários decimais, não cabe em apenas um coração aguentar essa dor. Por isso que parte dela vira literatura e outra parte não, fica estagnada na própria alma do autor. É só tristeza, puro malte.

Seria maravilhoso se os autores perdessem suas dores ao deixarem-na no papel, mas talvez essa afirmação seja apenas um bom argumento literário. Na vida não podemos nos dar ao luxo de brincar de fantástico.

Quando a dor barra as idéias, não há porque escrever. Me torno um escritor fracassado, que olha para suas mãos - um de seus instrumentos - e se sente impotente, por algo entre suas idéias e suas mãos lhe causarem um bloqueio. Serem o ópio que tira a razão, a vida, e não um vício doentil impossível de ser curado.

Não sei meu diagnóstico, mas sinto que estou falso, sendo um simulacro do que não quero mais. Fingindo sentimentos, simulando cordialidade quando o que quero é gritar até ficar rouco. A procura de uma visão além, que mostrasse um caminho que eu não vira antes. O que não me deixa de lembrar da revelação transcedental que teve Sidarta, e acabo rindo dessa comparação.

Talvez se meu eu escritor fosse autor de minha vida pessoal, em poucas linhas eu resolvesse todo o novelo que perdeu sua razão. Cortaria personagens, uniria certos sentimentos em uma linha mais densa, apararia arestas desnecessárias e colocaria fim a certos capítulos intermináveis.

A vida poderia ser um jogo, onde vez ou outra optariamos por voltar atrás ou reviver o momento e fazer diferente. Mas não, hoje não há porque escrever. Não sou o tipo de autor que faz de qualquer tristeza a matéria bruta, não quando o corte se deu além da conta. Nesse caso, sento me na penumbra, por gosto e pela beleza da cena, e agonizo, sem poesia alguma.

Terça-Feira, 22 de Agosto de 2007.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Novo

Gosto de recomeçar. Em minha pequena produção literária, me lembro de precisamente quatro ou cinco textos a respeito de um recomeço. Gosto da sensação do novo, como um pacote esperado que chega de manhã em um dia qualquer. Tenho encanto em descrever essa sensação incomum de começar de novo.

É um ritual sagrado, sinto-me como minha personagem. Planejo uma cena que será o início de uma história, nova página para ser vivida ou borrada. Dessa forma não deixo os cadernos envelhecerem.

Se posso fazer uma estranha confissão, gosto de cadernos. Sempre compro novos após meses e carrego-os comigo até cansar. Sejam eles de bolso para pequenas anotações ou comuns.

No início faço anotações, escrevo idéias, arrisco pequenos contos, mas aos poucos deixo de lado. Na verdade, gosto da idéia de ter cadernos, possuir um papel a mão. Talvez pela visão pueril dos escritores e, por outro lado, porque idéias surgem ao acaso, em palavras, cenas, qualquer lugar.

Imagens que nos deslocam em idéias, idéias que conduzem palavras, palavras que formam frases em nossa cabeça, onde nasce o fio de uma história. E dessa mesma forma cíclica, o gosto pelo recomeço, recordo de meus primórdios, quando me auto denominei escritor.

Minha pré-história se inicia em duas crônicas escolares. Talvez ainda as tenha em velhos arquivos de computador, mas afirmo com razão que elas não possuem rigor ou riqueza em sua escrita.

Além dessas palavras primordiais, minha primeira história oficial chama-se "Monique", uma bobagem que se equipara aos livros de bolso vendidos em bancas.

Foi em 2000 que comecei a escrever, finalizando textos e entregando aos amigos, ansioso por uma leitura. Fazendo a matemática, seriam sete anos de palavras e histórias. Porém, suspiro, em minha biografia oficial considero 2002 como o ano primeiro. Até hoje algumas narrativas daquela época ainda funcionam e, se não excelentes, são boas obras de ficção.

Tive bloqueios nesses cinco anos, embora momentaneamente me esqueça dos motivos. Minha intuição afirma sem pensar que o culpado fora meu lado emotivo.

Meu último bloqueio fora o mais longo até então. Um ano produzindo textos esparsos, sem significado, na esperança de uma resposta, um caminho. Deixei que sentimentos de outros me conduzissem para um lugar onde não mais encontro, fiquei perdido em minhas palavras.

Mas aos poucos fiz um novo caminho. O que mas temi, e temo, em minha produção, é seu constante repetir: palavras iguais, mesmos simbolos e alegorias. Repetir sempre me incomodou, fora ele que me fizera parar a procura de uma resposta celestial.

Como escriturário estou feliz com o recomeço. Aos poucos encontro uma nova maneira de compor, sem o sabor viciado de velharias. Amadureci, e não nego o quanto o progresso me satisfaz.

Por isso me apraz o recomeço, uma sala vazia a espera de móveis. O novo é a idéia de que tudo pode ser diferente, a potência das possibilidades provoca excitação. E falando em literatura, um papel em branco pode ser tudo, menos continuar miseravelmente nú como nasceu.

Araraquara, terça-feira, 14 de Agosto de 2007.