Há um verso na canção Do It, do cantor recifense Lenine, composta com Ivan Santos, cujos dizeres são uma síntese de um modo de vida: “Se não é, imite”.
Parece que tal estilo foi seguido a risca por algumas editoras brasileiras que, há certo tempo, vem realizando plágios descarados de traduções conhecidas e mudando sua autoria em um passe de mágica.
Talvez, para o leitor comum, a importância de uma boa tradução passe despercebida. Abre-se o livro, lê-se com bastante fruição e, em seu término, tecem elogios sobre a prosa de seu autor. Porém, entre as palavras originais e aquelas lida em sua língua, há uma ponte, muitas vezes invisível chamada tradutor.
Sua responsabilidade é bastante alta. Não basta apenas verter o original para a língua local. É necessário ter vasto conhecimento de ambas as línguas, para evitar erros de interpretação; realizar adaptações precisas de expressões idiomáticas; conhecimento abrangente sobre a obra do escritor; e a capacidade de, mesmo que em outra língua, deixar transparecer o estilo original do autor.
São diversas as teorias por trás do processo de tradução. Mas é um consenso que realizá-las nunca é um processo fácil. Demanda tempo, conhecimento com a obra, dedicação.
O leitor talvez nem suspeite do suor do tradutor para conseguir finalizar aquela obra e deixá-la a altura de seu original. Ainda mais quando as edições brasileiras constam na contra-capa, no máximo, o nome de seus tradutores e há edições que nem mesmo se dão a esse trabalho.
É evidente que leitor algum é obrigado, de antemão, a conhecer e compreender o funcionamento de uma tradução. Tenho esse conhecimento porque estudo na área de Letras.
Tive um choque quando descobri a importância de uma boa tradução e, desde que adentrei no curso, há cinco anos, agora procuro, além de uma edição com um bom preço, se tal tradução é bem feita e confiável.
Todos esses argumentos de uma boa tradução se chocam com uma realidade nefasta que algumas editoras brasileiras vêm realizando: a cópia de uma tradução. O roubo de um trabalho suado, sem pagar nada por isso, e a substituição do nome do tradutor original por um nome fictício que, muitas vezes, chega a parecer excêntrico de tão diferente.
Há certo tempo acompanhei de perto o nascimento dessa descoberta. Foi através da tradutora Denise Bottmann que, junto com um grupo de tradudores, suspeitaram dessa problemática ao notar que certas traduções da editora Martin Claret não só pareciam muito com traduções antigas de renome como apresentavam, vejam só, os mesmos erros de interpretação.
Eu mesmo, ao lado de Bottmann, cotejei diversos livros da Martin com edições antigas de outras editoras, comprovando o plágio indevido. O uso do texto era extremamente fiel, a exceção de um artigo indefinido aqui, uma mudança temporal de verbo lá, para simular que, aparentemente, tais traduções eram distintas.
Com observação e pesquisa foram surgindo não só mais verificações de plágio da mesma editora, como de outras. Talvez a única que tenha saído-se bem da situação foi a editora L&PM que não só assumiu os erros de seus plágios, tirando os livros de catálogo, como agora tem contratado um time de tradutores para suas novas publicações (foi a pedido dos leitores que a editora lançou uma tradução nova de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen). (Cabe aqui uma correção posterior, apontada por Denise Bottmann, a qual agradeço, nos comentários abaixo do texto. O que de fato ocorreu com a editora L&PM foi a compra de traduções da Nova Cultural, esta sim, a responsável pelos plágios. A L&PM chegou a mover um processo contra a editora devido a isso.)
Infelizmente, tal atitude não é vista com a freqüência que gostaríamos de ver. Mesmo assumindo alguns de seus plágios, até hoje a editora Martin Claret não tirou das livrarias suas edições. Desde que soube de tais acontecimentos nunca mais comprei uma publicação dela. Cheguei a escrever a eles, pedindo uma troca de meus exemplares plagiados por outros, autênticos, edições de bolso com livros brasileiros, para ter a certeza de que não seria enganado. Em um primeiro contato a editora aceitou a troca, em que enviariam os exemplares escolhido por mim e receberiam os meus, com a tradução plageada de volta. Mas nunca passou disso. Aguardo até hoje, após mais de um ano, a chegada de meus livros para enviar a eles de volta os plagiados. Honestamente, eu não quero tais edições publicadas de má fé.
Recentemente, os plágios vieram a tona na impressa por conta de um processo que a editora Landmark lançou contra Denise Bottmann e Raquel Sallaberry, do blog
Jane Austen em português, alegando calunias difamatórias.
Em seu blog
Não Gosto de Plágio, Denise apresentou cotejos de duas edições da editora,
Morro dos Ventos Uivantes e
Persuasão, que seriam plágios de traduções já realizadas há muito tempo. A ação, além da tal calúnia que cai por terra pelos cotejos que comprovam o plágio, exigia que o blog da tradutora saísse do ar.
É lamentável a atitude da Editora Landmark. Seu trabalho lançando edições biligue de obras consagradas poderia ser exemplar. Mas é destruído quando, não só realiza-se plágios de traduções quando ainda cria-se um processo alegando calúnia, em vez de assumir os erros e tentar – por que não? – buscar alternativas e – seria ótimo – uma nova tradução. Em tempo, há calunias que falam mais alto que fatos comprovados em cotejos?
Se há um lado benéfico nos plágios da Landmark, digo, no processo de calúnia contra Denise e Raquel, é trazer de maneira definitiva o assunto nas páginas dos jornais, fazendo com que aqueles que desconheciam tais plágios, comecem a pesquisar a respeito. E a repercussão tem gerado efeito. Amigos que tem apenas a paixão pela leitura, sem desconhecer a tal importância da tradução que mencionei acima, tem comentado comigo a respeito das notícias do processo. E eu conto-lhes, então, que a história não começou agora.
A atitude da Landmark é um ponto – um grande ponto – para que os olhos se voltem para as atitudes ilícitas de diversas editoras. Que fazem de maneira silenciosa um processo ilegal esperando que ninguém desconfie. Tal ação deixará não só a impressa, mas como os leitores mais atenciosos e munidos contra os plágios, realizando certa movimentação contra tais editoras.
Uma delas já está disponível na internet, vinda de um quarteto Ás da tradução no país: Heloisa Jahn, Jorio Dauster, Ivone Benedetti e Ivo Barroso que, juntos, lançaram um manifesto em repúdio a editora Landmark. O manifesto se encontra em
Apoio Denise, e os dispostos a subscrevê-lo encontram o link do abaixo-assinado no próprio site ou diretamente em
http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?Bottmann&1.
Felizmente, nem tudo é um inferno de Dante. Há editoras no Brasil com grande competência, que realizam trabalhos incríveis na produção de seus livros, bem como em suas traduções. Dentre elas, recomendo três: a já citada L&PM, por ter assumido seu erro e dado a volta por cima, contratando tradutores e apresentando novas traduções de obras consagradas - algo sempre positivo, a pluraridade de traduções - e por aumentarem mais e mais seu bom e barato catálogo de bolso; A editora Cosac & Naify por realizar um processo gráfico incrível em seus livros, repleto de cuidado não só visual, como também em suas traduções, apresentando grandes clássicos inéditos até então; e a Editora 34, que traduz muito material vindo da Rússia, língua de dificil tradução, mas vertida pelos tradutores da editora com competência. Sem mencionar que os projetos gráficos da editora também tem estilo e certos autores - como Dostoiévski - possuem um padrão próprio em sua coleção.
É de se esperar que haverá muito desenrolar nessa história. Mas é certo que, ao final dela, certas editoras brasileiras deixarão de ser reles imitadores e passarão ou a serem mais autenticas ou desaparecerão.
O blog O Que Dr. House Diria? apoia o manifesto e desde o início acompanha a tradutora Denise Bottmann na problemática dos plágios no mercado editorial brasileiro.
Alta Fidelidade, a coluna semanal do criador desse blog que hoje apontou um problema grave no mercado editoral brasileiro. Aqui é possível falar abertamente sobre alguns temas sem que exija uma resenha para tal. Pretende-se abordar todo o tipo de assunto cultural, seja ele sobre livros, filmes, dvds, cds e, nessa semana, os plágios.