domingo, 21 de fevereiro de 2010

Agosto, Rubem Fonseca

O porteiro da noite do edifício Deauville ouviu o ruído dos passos furtivos descendo as escadas. Era uma hora da madrugada e o prédio estava em silêncio.
"Então, Raimundo?"
"Vamos esperar um pouco", respondeu o porteiro.
"Não vai chegar mais ninguém. Já está todo mundo dormindo."
"Mais uma hora."
"Amanhã tenho que acordar cedo."
O porteiro foi até a porta de vidro e olhou a rua vazia e silenciosa.
"Está bem. Mas não posso demorar muito."

Autor: Rubem Fonseca
Editora: Agir
368 páginas





Lançado originalmente em 1990, Agosto, quarto romance do recluso escritor Rubem Fonseca, décimo livro de sua carreira, se transformaria em uma das ficções chave para, não só compreender o autor, como para estudar uma das vertentes que segue a literatura contemporânea brasileira.

O motivo de sua importância não reside, apenas, no fato de que a obra retoma um dos momentos históricos mais intensos e sensíveis do Brasil: o mês de Agosto de 1954 e os trâmites políticos que culminaram no suicídio do presidente Getúlio Vargas. Mas também porque através de um intenso pano de fundo, Fonseca desenvolve sua narrativa peculiar e traz a tona personagens de seu universo e uma trama policial paralela ao acontecimento político.

Tem-se, assim, dois focos narrativos distintos. A história oficial, que pode ser aprofundada em livros específicos sobre a história do Brasil e a mescla ficcional, centrada em um assassinato investigado pelo comissário Mattos, grande personagem do autor, que se desdobra entre os nós de sua vida, seu estômago precário e a crise da política, para tentar solucionar um crime que, aparentemente, não interessa a ninguém.

Fonseca é preciso ao descrever a situação política do país. Situa os leitores através de datas, depoimentos extraídos de jornais e desenvolve o momento histórico, onde se incluem diálogos diretos e narrativa onisciente, com bastante cuidado. Para não trair as figuras históricas.

Porém, boa parte do charme da narrativa nasce na parte ficcional. É nela que o autor cria a ambientação e as personagens que o consagraram. Pessoas comuns, com diversas partículas de miséria e dor, presas por uma teia apodrecida, conceitos habituais de uma narrativa policial.

Seu estilo hiper-mimético, de descrição profunda e brutal da realidade, se reduz nesse romance. Mas não há a perda de sua narrativa de foco cinematográfico, com diversos cortes abruptos de quebra temporal. Narrando apenas aquilo que é estritamente necessário.

Com bom apoio histórico e multi-facetadas figuras ficcionais, que se alternam no decorrer da trama, a fluidez da narrativa é constante. Demonstrando a capacidade narrativa de Fonseca que, além de ser certo divisor em nossa narrativa atual, já possui seguidores.

Descontente com o descaso que a editora Companhia das Letras teve com a divulgação de seus últimos livro, o autor recentemente estreou na Editora Agir com o inédito O Seminarista. A editora também vem relançando seus livros, com um novo – e belo – projeto gráfico. Ao lado de Agosto, já estão disponíveis Os Prisioneiros, A Coleira do Cão e Lucia McCartney, respectivamente os três primeiros do autor.

Se a editora prosseguir com o bom trabalho e mantiver o lançamento cronológico, um dos próximos lançamentos será o incrível O Caso Morel, o romance de Fonseca que mais estimo.

O relançamento de uma obra não só conquista novos leitores, que acompanham a evolução estilística do autor, como reconquista os antigos que, ou completam sua coleção, ou acabam por reinicia-la. Assim, ao invés de se ter uma obra entrecortada por editoras, tem-se um bibliográfica mais sólida, que deixa as amarras de editoras passadas para trás.

Agosto também se transformou em minissérie Global, com Jose Mayer, Vera Fisher e Letícia Sabatella no elenco. A produção está disponível em dvd. Uma oportunidade dupla de ler a obra original e seguir para sua fiel reprodução na televisão.



Um comentário:

  1. Coincidentemente terminei de ler Agosto ontem, e procurando comentários sobre o livro achei o seu blog. Achei muito boa a sua análise do escritor e do livro, mas como me apaixonei pelo personagem principal, acho que vc deveria dar mais enfâse ao comissário Mattos..rsrs. Parabéns pelo blog, vc é um ótimo escritor. Muita sorte e sucesso!

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