quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Tristeza Senhora

"só faz milagres quem crê que faz milagres
como transformar lágrima em canção"
(Zeca Baleiro, in "Blues do Elevador")

Se fosse a tristeza um problema gástrico, eu tomaria remédios, ou no caso de uma indigestão, em uma técnica mais agressiva, induziria o que comi a sair. Mas a tristeza é abstração inanimada, verme que corrói. Está em mim como cicatriz corrosiva, sem que eu saiba o porquê.

Acabo de reler um texto de minha autoria, texto romântico que não deixo de apreciar. Mesmo que sua narrativa seja irrisória, as metáforas e a imagem do mar são tão belas que até mesmo eu, seu ator, se engana ao lê-lo.

Dei-lhe como nome "Além-Mar" para fugir da alusão que comumente faço do mar. Em minha literatura, transformei o mar em um amor que tive. Alusões são notórias em certos autores, que possuem fixação por certas cenas ou temáticas.

Esse texto foge dessa temática marítima, embora a maior parte de sua narração se passe em um náufrago. Seus personagens são outros daqueles que sempre retrato, e mesmo hoje, um ano e meio depois, o texto me cativa.

Infelizmente tenho a mania ruim de, as vezes, basear minha vida para minha produção. Com o tempo o que me sobra são apenas belos textos, já que o resto sempre é levado pelo vento, ao pó.

O que despertou-me motivo para a análise, foi a relação de mim, minha obra e a senhora tristeza. A presença constante de personagens sutilmente abaladas, entristecidas, muitas vezes em constraste com o próprio infeliz autor.

A tristeza enquanto não me invade completamente é perfeita para inspirar. Um leve comichão apertando ao coração me inspira boas histórias, e a tristeza momentânea conduz de forma adequada uma ficção. Muitas vezes acabo por entristecer pelo meus personagens, vivendo sua fulgás história de tal forma que, quando finalizo a narrativa, estou cabisbaixo e depressivo. Não sou um grande autor para, esbaldando euforia, descrever e contar a história de um homem que perdera um grande amigo, ou um velho amor.

Porém, quando a tristeza avança caminhos mais longos, tornando-se apenas corrosiva, a inspiração não mais surge. Só punge uma dor, a dor real, minha, não de meus personagens. É sinal que não é minha literatura que caminha triste e sim seu próprio autor. E nesse caso não produzo nada. Não vivo. Crio uma subvida para prosseguir com os afazeres sem arricar suicídios ou drogas que cessassem minhas sensações.

Nessas horas tenho tendências de iniciar textos, em uma tentativa vã de produzir minha dor real no papel, mas não chego a terminá-los. Suas palavras saltam da tela como uma mentira, como se eu maquiasse minha tristeza nesse papel, sendo que, na realidade, quero apenas me ver livre do que me machuca. A tristeza do autor vira cansaço físico, não inspiração poética. Assim rabisco o texto, crio outro em primeira pessoa, uma personagem como eu, mas logo concluo que nada disso é salvação. A dor continua constante mesmo após finalizar uma ou dez narrativas.

Então, esqueço as palavras e assumo que estou triste. Que sou triste. Que ao jogar minhas melodias fora, estou a procura de uma nova identidade, a procura de novos sabores e novos acordes que ainda não ouvi. Sofro dessa ansiedade, querer tudo ao mesmo tempo. E olha que já ouvi reclamações por minha habilidade de ser múltiplo. Mas danem-se, não me contento em ser apenas um.

Porém, ser vários é cansativo. São deveras paixões ao mesmo tempo, muitos amores, a dor é multiplicada em vários decimais, não cabe em apenas um coração aguentar essa dor. Por isso que parte dela vira literatura e outra parte não, fica estagnada na própria alma do autor. É só tristeza, puro malte.

Seria maravilhoso se os autores perdessem suas dores ao deixarem-na no papel, mas talvez essa afirmação seja apenas um bom argumento literário. Na vida não podemos nos dar ao luxo de brincar de fantástico.

Quando a dor barra as idéias, não há porque escrever. Me torno um escritor fracassado, que olha para suas mãos - um de seus instrumentos - e se sente impotente, por algo entre suas idéias e suas mãos lhe causarem um bloqueio. Serem o ópio que tira a razão, a vida, e não um vício doentil impossível de ser curado.

Não sei meu diagnóstico, mas sinto que estou falso, sendo um simulacro do que não quero mais. Fingindo sentimentos, simulando cordialidade quando o que quero é gritar até ficar rouco. A procura de uma visão além, que mostrasse um caminho que eu não vira antes. O que não me deixa de lembrar da revelação transcedental que teve Sidarta, e acabo rindo dessa comparação.

Talvez se meu eu escritor fosse autor de minha vida pessoal, em poucas linhas eu resolvesse todo o novelo que perdeu sua razão. Cortaria personagens, uniria certos sentimentos em uma linha mais densa, apararia arestas desnecessárias e colocaria fim a certos capítulos intermináveis.

A vida poderia ser um jogo, onde vez ou outra optariamos por voltar atrás ou reviver o momento e fazer diferente. Mas não, hoje não há porque escrever. Não sou o tipo de autor que faz de qualquer tristeza a matéria bruta, não quando o corte se deu além da conta. Nesse caso, sento me na penumbra, por gosto e pela beleza da cena, e agonizo, sem poesia alguma.

Terça-Feira, 22 de Agosto de 2007.

2 comentários:

  1. "Em minha literatura, transformei o mar em um amor que tive. "
    São as nossas fixações que nos fazem diferentes, não é?

    "Não sou o tipo de autor que faz de qualquer tristeza a matéria bruta, não quando o corte se deu além da conta. Nesse caso, sento me na penumbra, por gosto e pela beleza da cena, e agonizo, sem poesia alguma."

    Muito bonita essa parte(vc percebeu que penumbra rimou com alguma? pq ficou beeem legal!)

    Muito honesto o texto, e devo dizer que essa tristeza que temos dentro de nós, ou nos tornamos budas, ou Gatsbys... dura escolha!

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