domingo, 30 de maio de 2010

Dalia Negra, James Ellroy

"A pocilga fedia a vinho ordinário. Uma cama improvisada com dois assentos de carro desdobrados tomava quase todo o espaço do piso; estava coberta de recheio de estofado e camisinhas usadas. Garrafas vazias de moscatel empilhavam-se nos cantos, e a única janela tinha faixas de teias de aranha e de sujeira. O mau cheiro me deixou enjoado, então fui até a janela e a abri. Olhando para fora, vi um grupo de tiras de uniforme e homens à paisana em pé na calçada da Norton, quase a meia quadra de distância da 39."

Autor: James Ellroy
Editora: Record
432 pag.





Atos violentos sempre deixam marcas, muitas vezes eternas.

Mais um assassinato na cidade pode ser comum para os relatórios da polícia, mas pode significar uma grande perda para uma criança de dez anos. Especialmente quando a assassinada fora sua mãe.

É dessa maneira violenta que James Ellroy, um dos grandes escritores policiais da atualidade, vê sua vida desmoronar na infância e passa a viver em rupturas, com diversos problemas para enfrentar a realidade. Seu novo abrigo é o mundo violento da literatura barata, e nos livros dados por seu pai alcoólatra, nos quais descrevia diversos casos violentos da polícia de Los Angeles, muito deles tão chocantes que não eram permitidos de serem transmitidos na televisão.

Um deles em particular chama a atenção do garoto, com então onze anos: Elisabeth Short, encontrada em um terreno baldio com o corpo cortado ao meio. Torturada por dois dias, com marcas de cigarro nos seios, retalhos por todo o corpo e um corte de orelha a orelha. A vítima ganhou o nome de Dália Negra, dado por um repórter, ao saber que ela só trajava preto.

O caso brutal se tornaria um dos maiores eventos da mídia local e transformar-se-ia na obsessão de Ellroy. O crime era como uma substituição da morte de sua mãe. Assim, passou a investigar o caso, pesquisando em bibliotecas tudo o que fosse possível encontrar sobre Elisabeth Short.

Os anos seguintes de sua leitura sobre o crime foram os piores de sua vida. O autor caiu nas drogas, foi preso diversas vezes e descobriu que sua paixão pela narrativa policial e sua obsessão de infância poderiam lhe render boas ideias. Assim, deu início a um texto sobre um assunto em que tinha um vasto conhecimento: A Dália Negra.

O assassinato de Elisabeth Short é o ponto de partida do livro Dália Negra. Situado em uma Los Angeles dos anos 40, pós guerra, repleta de personagens ambíguos e violentos, mulheres fatais e homens corruptos. Ingredientes perfeitos para a composição de um romance noir.

É nesse ambiente hostil que somos apresentados a dois ex-pugilistas, que possuem conflitos com o passado, mas são obrigados a enfrentá-los para resolver esse crime. A narrativa apresenta a visão de um deles, o “Sr. Água” Bucky Bleichert, narrador-personagem essencial para uma trama em que as percepções se alteram em seu decorrer. Na história conhecemos sua amizade com o “Sr. Fogo” Lee Blanchart e a grande obsessão de ambos em resolver um caso, aparentemente, sem solução.

Partir além desse ponto sobre comentários da trama, é revelar intricadas linhas de relações que se estabelecem durante a leitura. E que devem ser descobertas, justamente, no ato. Na grande habilidade de Ellroy em conduzir uma narrativa policial sem perder o fôlego e mantendo bons ganhos de suspense e ação para o leitor.

A nova edição do livro foi lançada com a capa do filme homônimo, dirigido por Brian de Palma, que transformou em pastiche a excelente história do autor. O que também é negativo pelo fato da nova capa perder o belo padrão estético dos livros da Coleção Negra, como as antigas, com as características capas pretas com uma pequena ilustração em detalhe.

A capa original da obra, traz uma breve citação da revista People, “uma obra prima”. É necessário concordar, Dália Negra é um dos grandes livros policiais da literatura contemporânea, pela narrativa bem amarrada, ágil, violenta e arrebatadora.

Chega a ser irônico que a morte real e brutal de uma jovem tenha trazido à tona uma excelente ficção, inspirada pelo fascínio de um jovem pela dor e perda da mãe e, também, dedicada a sua memória.

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