quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Amy Winehouse, Back to Black



Artista: Amy Winehouse
Álbum: Back to Black
Gravadora: Universal Records
Ano: 2006

01.Rehab
02.You Know I'm No Good
03.Me & Mr Jones
04.Just Friends
05.Back to Black
06.Love Is a Losing Game
07.Tears Dry on Their Own
08.Wake Up Alone
09.Some Unholy War
10.He Can Only Hold Her

"You go back to her, and I go back to Black"
Você volta pra ela e eu volto para o luto.

Essa frase, refrão da música que dá título ao álbum, define perfeitamente o espírito que perpassa toda a obra-prima de Amy Winehouse.

Muito se falou nos últimos anos sobre a cantora, sobre seu destempero, seu vício em drogas e sua tendência à auto-destruição. Claro que ela realmente se super-expôs, mas é de certa maneira triste que sua música - a melhor produzida nessa segunda metade da década - tenha ficado de lado em favor de manchetes sensacionalistas.

O disco abre com o mega-hit Rehab, que versa de maneira irônica sobre os tão famosos Rehabs a que as celebridades se submetem sempre que tem porblemas com drogas, e que nos últimos tempos parece ser mais jogo de mídia do que de fato reabilitação. É de fato uma grande canção, com um poderoso vocal de Amy, que diz: 'They tried to make me go to rehab but I said no, no, no'. (eles tentaram me mandar para o Rehab, mas eu disse não, não não), tratando um tema polêmico com ironia e desdém.

Segue a que talvez seja a gravação mais genial da década, a ácida e dolorida You Know I'm No Good, que começa com uma base de bateria e uma linha de baixo, para depois entrar a voz brilhante de Amy, cantando uma letra simplesmente genial, que culmina no refrão destruidor, que mais parece um diálogo entre a abandonada (2 primeiros versos) e o traidor (2 últimos versos):

'I cheated myself
Like I knew I would
I told you I was trouble
You know that I'm no good'

'Eu me traí
como eu sabia que faria
Eu te falei que eu era problema
Você sabe que eu não presto.'

Essa canção também foi um grande sucesso, consolidando o sucesso do disco como um todo (ainda teria mais alguns singles tirados dele).

Me & Mr. Jones começa como um soul mais tradicional, com direito a backing vocals estilo década de 60. O título é o mesmo do clássico de Kenny Gamble e Leon Huff gravado por Billy Paul em 1972, e o tema também é o amor, mas o humor ácido de Amy está presente aqui também, o que causa uma bem vinda estranheza.

Just Friends segue o mesmo caminho de soul clássico, com arranjo de metais, mas com uma batida puxada para o reggae. O interessante dessa letra é uma frase que inverte todo o sentido de letras de dor de cotovelo: 'I'll never love you like her ' (Eu nunca irei amar você como ela). Colocando o eu da canção como o que abandona e não como o abandonado.

A música seguinte é a já citada Back to Black. O instrumental é sombrio como o título sugere e a letra segue pelo mesmo caminho: ' life is like a pipe, And I'm a tiny penny rolling up the walls inside' (A vida é como um cano, e eu sou uma pequena moeda rolando pelas paredes de dentro). É interessante notar como o disco fica cada vez mais melancólico, atingindo o ápice aqui.

Love is a Losing Game continua a introspecção, mas com uma levada mais romântica e uma letra feita com versos curtos mas eficientes. O clima dark é quebrado com Tears Dry On Their Own, ao menos no instrumental, bem mais alegre. A letra continua pessimista, mas vemos aqui uma certa aceitação do abandono, como o refrão mostra bem:

'He walks away
The sun goes down,
He takes the day but I'm grown
And in your way
In this blue shade
My tears dry on their own.'

Ele vai embora
O sol se põe,
ele leva o dia embora, mas eu sou crescida
E do seu jeito
Com uma sombra azul
Minhas lágrimas secam sozinhas.

Dá pra perceber uma mulher sentida pelo abandono, mas disposta a dar a volta por cima. É como um alento em um mar de desesperança, já que a partir daí o disco volta a ser sombrio e desesperançoso. Em Wake Up Alone volta o instrumental lento e sombrio, assim como a letra dolorida. A esperança de se levantar ainda permanece, como podemos ver em:

'I stay up clean the house
At least I'm not drinking
Run around just so I don't have to think about thinking'

Me levanto, limpo a casa
pelo menos não estou bebendo
ando por aí, para não ter que pensar em pensar

No entanto na própria canção, alguns versos adiante, essa esperança desmorona:

'That silent sense of content
That everyone gets
Just disappears soon as the sun sets (...)
Moon spilling in
And I wake up alone'

Aquele silencioso senso de contentamento
que todo mundo tem
simplesmente desaparece assim que o sol se põe (...)
A lua se vai
e eu acordo sozinha

Simplesmente brilhante em sua desconstrução da esperança e construção da imagem de uma mulher completamente derrotada.

Some Unholy War destoa um pouco do tema do abandono que permeia o álbum todo, traçando uma fala de uma mulher questionando o que faria se seu homem fosse lutar em uma 'guerra não santa'. Ela diz que iria sempre atrás dele, sempre o acompanharia. Essa mudança de enfoque sequiria na música final.

O disco fecha com He Can Only Hold Her que tem um arranjo bem mais alegre que o restante do disco. Sua letra fala de uma mulher que não pode se doar à seu homem, pois já teve o coração roubado. Entendo essas duas canções como duas faces da mesma moeda, em uma a mulher que abandonaria tudo, em outra a mulher que não está realmente 'na relação'. Curioso ver como o disco progride até isso, começando com uma canção praticamente auto-biográfica (Rehab), onde o eu teme ser internado e perder seu amor (I'm gonna lose my baby, so I aways keep a bottle near / Eu vou perder meu bem, então eu mantenho sempre uma garrafa por perto), por isso se auto-destrói. Auto-destruição essa que perpassa toda a letra de You Know I'm No Good. A partir daí o disco entra em uma espiral de auto-comiseração, passando por lapsos de felicidade (Tears Dry On Their Own), para depois cair completamente no buraco que o próprio título traça.

Esse tipo de elaboração temática - tão pouco comum na música de hoje em dia - é uma das coisas que torna esse álbum um dos mais perfeitos já gravados.

Cabe dizer que Amy compôs as músicas desse disco quando estava separada de seu marido Blake Fielder-Civil, o que - obviamente - reflete por toda obra, o que faz esse disco figurar ao lado de obras primas emocionais, gravadas por conta de fins de relacionamento, como Here, My Dear de Marvin Gaye. Também é um dos mais poderosos álbuns gravados por uma mulher, coloco-o ao lado de Lady in Satin de Billie Holiday e I Never Loved a Man the Way I Love You de Aretha Franklyn.

É sempre difícil escrever sobre obras de que gostamos muito, e é o caso aqui, mas espero ter conseguido salientar a incrível qualidade desse que considero, sem nenhum medo, o melhor disco da década.

PS: a versão inglesa do álbum contem mais uma música, Addicted, que foi suprimida no lançamento americano e consequentemente no brasileiro, que é o que eu estou resenhando. No entanto devo dizer que é a faixa mais fraca do álbum, ainda que tenha qualidades.







Na próxima semana: Lulu Santos, Acustivo Mtv 2 e o dvd Steve Wonder - Live At Least

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