Quando estamos na infância, vivemos um mundo a parte. Um receptáculo colorido e diferente daquilo que perde a cor e se chama mundo adulto.
Após anos de crescimento que ficamos sensíveis e perceptíveis a diversos acontecimentos que passaram por nós naquela época e éramos inocentes ou bobos demais para compreender.
A cena da criança invadindo uma sala cheia de adultos é clássica. E a ação dos mesmos, barrando-a, dizendo que isso não era para ela, papo de adultos, também é a resposta mais comum.
Porém, engana-se quem pensa que no amadurecimento todos os significados caem como uma luva. E saímos gritando pelados, como Arquimedes: Eureka, eureka, eureka.
Amadurecimento vem em fases também. E, de repente, aquilo que não compreendíamos se resolve dentro de nós como um raio. O resultado dessa mudança é a somatória do que vivenciamos.
Lembro-me de uma cena específica de um livro que li. A personagem principal, leitora assídua de livros, comprara no sebo um exemplar de Lord Jim de Joseph Conrad. E nas primeiras páginas havia a assinatura do antigo dono dizendo que começou a ler o livro e não gostou, sendo, provavelmente, um dos piores da sua vida. A personagem se espantava pois, no final do livro, havia outra escritura do antigo dono. Dizendo que, anos depois, tentou reler a obra e ela se revelou como algo preciso.
Exponho a idéia de maturidade e do tempo que se revela dando nos a resposta porque há anos sofro uma espera que, enfim, chegou.
Eu fazia meu segundo cursinho pré-vestibular em uma escola diferenciada, com aulas de filosofia na grade. De lá sairia uma das professoras inesquecíveis de minha vida, Denise D´Incao, ou Dona Denise como costumava chamá-la.
Dona Denise era formada em filosofia. Era culta. Impossível não sentir prazer ao conversar com ela. O diálogo fluía, ela fazia boas colocações, citava filósofos te incitando a lê-los. É digna de admiração.
A história não me lembro bem. Lembro do que ela me disse. Estudávamos sobre os Pré-Socráticos e, em uma divagação sobre Deus, permanecemos diversos minutos falando sobre esse conceito. Confesso que nunca me importei fugir dos temas das aulas. Qualquer tema conversado em classe com ela era digno de conhecimento.
Então pensei em Deus e lhe perguntei, qual o filósofo que mais falou de Deus? Ela, em frente a minha mesa, ergueu os olhos pensativos, em silêncio. Mas respondeu, Spinoza. Leia Ética, dele.
Imediatamente, abri meu caderno para anotar, uma indicação assim não poderia ser perdida. Mas ela não havia terminado, mas leia só quando fizer vinte e cinco anos. Diante de minha cara de assombro, completou, é um daqueles textos que mudam sua vida, sua forma de pensar.
O relato aconteceu há seis anos atrás, eu tinha, então, dezenove anos. E achei injusto quebrar a regra, não seguir o conselho dado por Dona Denise. Então, esperei. A cada aniversário esperei, lembrando-me, vez ou outra, que aos vinte e cinco eu leria Spinoza.
Em vinte de maio completei meus vinte e cinco anos. E não quero entrar nos sentimentos naturais dessa época, fazer uma narrativa que relembre o passado e figure o presente. Foi a Ética que me veio a mente.
Depois de seis anos, eu poderia, enfim, seguir o conselho da mestra filósofa. E tenho aqui, em minhas mãos, uma edição do livro de Spinoza. O Qual desejo ler assim que possível.
Pergunto-me o que há nesse livro que, na visão dela, seria capaz de mudar a base de alguém. Que eu teria estrutura para compreendê-lo apenas agora e não seis anos atrás.
Sei apenas que a espera foi amarga mas deliciosa. Espera boba, sei disso. Mas não deixo de pensar que, ao ler o livro, eu perceba que, de fato, ele ainda não estava pronto para mim, ou vice-versa.
Dona Denise, segui seu conselho a risca e agora, aos vinte e cinco eu abro as palavras de Spinoza esperando que ele me diga o que a senhora tentou esconder de mim. E agradeço, imensamente toda a sabedoria que me deu em suas aulas. Elas permaneceram em mim.
Alta Fidelidade, a coluna semanal do criador desse blog que, finalmente, lerá Espinoza. Aqui é possível falar abertamente sobre alguns temas sem que exija uma resenha para tal. Pretende-se abordar todo o tipo de assunto cultural, seja ele sobre livros, filmes, dvds, cds e, nessa semana, a compressão entre maturidade e livros.
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