São raras as produções que utilizam, na progressão de sua narrativa, a estética do tempo real. O desenvolvimento sem nenhum corte temporal é um processo que pode dificultar a ação e, sem um trabalho bem realizado, se torna um material sem sucesso.
Em 1995, Johnny Depp e Christopher Walken estrelaram um longa que se utilizava do estilo. Tempo Esgotado apresenta Depp como um homem comum que tem sua filha seqüestrada e é obrigado, em um curto prazo de tempo, a executar a governadora da Califórnia. A ação, boa parte realizada em um shopping, mantém sua tensão devido a personagem contra o relógio. Críticas não foram favoráveis, mas há momentos que a trama funciona.
O tempo como um dos pilares da trama também foi presença em 88 Minutos, filme de Jon Avnet com Al Pacino em que o tempo citado é o prazo para que um professor universitário resolva um assassinato que pode envolvê-lo.
Ainda que não inédito, o conceito de tempo real sempre fora explorado de maneira isolada. Em 2001, precisamente em dezembro, que a Fox americana exibiu o que seria considerado um marco no recurso e também uma grande história de ação.
A série 24 Horas, desde seu título, demonstra a urgência de sua narrativa. Enquanto o enredo tradicional de uma temporada desenvolve-se em vinte e quatro episódio, que abrangem um ano aproximado da vida das personagens, aqui a aventura concentra-se em um dia completo.
Trabalhando situações limites impostas e apresentadas sempre em seu início, ação, tensão e reviravolta são elementos comum no roteiro que se tornou uma estrutura intacta na série, apresentando diversas ações no decorrer da mesma hora, delineando bem a sensação de tempo real e simultâneo.
Ainda com uma estrutura intacta em seus oito anos de produção, sua figura central, Jack Bauer, é quem sofreu maior transformação. De um ótimo agente contra terrorismo, Bauer transforma-se em herói de grande representação. Cada dia fatídico vivido por sua persona aprofunda mais o abismo de sua personalidade, seus contornos humanos perdem dimensão, tornando-o um homem quase impenetrável, cujo suporte maior é reger-se pela lei, pelo bem maior. Capaz de sobreviver até as mais terríveis dores e amargurar e voltar, de certa maneira, intacto, mais centrado e mais irritado.
A ação projetada na tela é digna de uma produção cinematográfica. É composta de maneira cuidadosa em suas estruturas, tanto no roteiro, em personagens como em detalhes que passam despercebidos pelo público por sua excelência: a continuidade cuidadosa que convence que uma história gravada em oito meses pareça mesmo estar centrada em apenas um dia.
Além da execução técnica da série, elementos de sua narrativa são bastante reais e verossímeis. Focados em manter um elo com o presente conhecido do público, a série apresenta uma narrativa crua e violente, não vista na televisão desde Nova York Contra o Crime. Tratando-se de uma Unidade Contra o Terrorismo como escopo para ação, é de se prever que agentes fazem tudo a suas mãos para procurar culpados. Não poupando cenas de tortura, morte, que causaram comoção aos mais sensíveis e aos simpatizantes dos diretos humanos. Mesmo que diversos órgãos tenham se pronunciado contra a violência da série, que não seria um espelho da realidade, é subestimar a observação pública perante as notícias diárias.
A idéia do real transposto a tela, seguindo uma lógica temporal como estamos acostumados, acompanhando um personagem que se torna um herói, abdicando muitas vezes de seu bem próprio para o bem de todos são grandes elementos que compõe e fizeram o sucesso da série.
Ainda que em seu lançamento tal sucesso não era tão esperado. Tanto que no meio da primeira temporada há um encerramento do enredo. Uma tática dos produtores para, caso a Fox não aprovasse uma temporada completa, ao menos apresentar um fim ao público.
Mas o primeiro ano envolvendo Jack Bauer em uma conspiração para matar o candidato David Palmer foi o primeiro passo para apresentar um enredo que ainda que caminhe nos clichês do gênero, é executado de maneira exemplar.
Cada temporada desenvolveu crises diferentes com espaçamento temporais cada vez maiores. Infelizmente, em certos anos, a previsão dos produtores e roteiristas saíram errado, fazendo com que a grande ação central finalizasse horas antes do fechamento do dia. Deixando evidente uma sub história desenvolvida as pressas para cobrir as horas que estavam por vir. Deslizes que, mais de uma vez, aconteceram.
A sensação da temporalidade real, embora cada vez menos preciso temporada a temporada, registrava uma sensação angustiantes pelas pausas e a cada hora certa que desencadeava alguma revelação ou grande evento.
A série trouxe o ator Kiefer Sutherland de volta ao estrelado, recebendo Emmys e Globo de Ouro por interpretação, roteiro e melhor série em uma de suas melhores temporadas.
Alguns detratores dizem que o tempo que a série esteve ao ar foi longo demais. Porém, mesmo apresentando oito crises diárias com algumas oscilações, é inegável que Jack Bauer tornou-se um marco. Sua personagem se espandiu além da série, virando um ícone heróico e ainda resultou em uma série genuinamente de ação que nunca teve medo de dialogar com a realidade e de produzir violência.
A série está disponível de maneira completa em DVD, no Brasil. Tanto temporada por temporada quanto na bela caixa que ilustra esse texto e que engloba todas as temporadas mais o filme A Redenção que se passa entre a sexta e sétima temporada.
Para ler também: Alta Fidelidade: A Supremacia dos Seriados
Alta Fidelidade, a coluna semanal do criador desse blog que, hoje, apresentou a primeira análise de três sobre séries americanas. Aqui é possível falar abertamente sobre alguns temas sem que exija uma resenha para tal. Pretende-se abordar todo o tipo de assunto cultural, seja ele sobre livros, filmes, dvds, cds e, nessa semana e nas próximas, séries em geral e três seriados atuais que já são um marco: 24 Horas, Lost e House M.D.
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